Desacato a decisão da ONU sobre Lula seria “vexame internacional”, diz diplomata
Especialistas em Direito Internacional e Relações Internacionais têm reiterado a obrigação moral do Brasil acatar a decisão do Comitê de Direitos Humanos (CDH) da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre o caso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, candidato à Presidência da República pelo Partido dos Trabalhadores. O documento foi divulgado na última sexta-feira (17) e indica que o país deve “tomar todas as medidas necessárias para permitir que Lula desfrute e exercite seus direitos políticos da prisão”.
A solicitação ao Comitê foi realizada no dia 27 de julho pela defesa de Lula, condenado a 12 anos e um mês de prisão pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) em janeiro deste ano, e preso na sede da Polícia Federal em Curitiba, desde o dia 7 de abril.
No mesmo dia da manifestação da ONU, o Ministério das Relações Exteriores expediu uma nota na qual destaca que as conclusões do órgão tem caráter de recomendação apenas, e não possuem “efeitos juridicamente vinculantes”.
Já a defesa de Lula reitera que a decisão é mandatória e não comporta questionamento. Isso porque o Brasil é signatário, desde 2009, do chamado “Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas”, norma internacional que possui força de lei por ter sido promulgado pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo 311, no mesmo ano.
O Pacto estabelece, logo em seu primeiro artigo, que o Comitê de Direitos Humanos da ONU tem a incumbência de receber e examinar qualquer pedido proveniente de indivíduos que se considerem vítimas de violações dos direitos civis e políticos em sua nação. Por esse motivo, a obrigação da validação das decisões do órgão é reiterada pelo diplomata e professor de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP), Paulo Sérgio Pinheiro.
“Há uma jurisprudência comprovadíssima no Supremo Tribunal Federal de que os tratados assinados pelo Brasil devem ser cumpridos. Não tem conversa. Não são cabíveis de discussão”, afirmou o diplomata.
Ele destaca que o impacto do não cumprimento da decisão seria um “enorme vexame para o país” nas relações internacionais.
“O Brasil é um país com enorme prestígio, é um país sério nas Nações Unidas, um interlocutor válido para todas as decisões. É um vexame esse governo golpista do Impeachment manchar a reputação do Brasil internacionalmente”, afirmou Pinheiro.
O cientista político Antônio Roberto Espinosa, professor do curso de Política e Relações Internacionais da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP) explica que a ONU não detém poder de sanção sobre os Estados que não cumprem suas determinações, mas sim uma importante força moral.
“Cria-se um enorme constrangimento para o país. Esse constrangimento cria uma indisposição generalizada. Claro que os Estados Unidos serão simpáticos ao atual governo golpista se ele se mantiver indiferente à condenação. Então ganha-se aliados, mas também adquire-se adversários. Vários outros governos que se pautam e levam em conta a Declaração de Direitos Humanos da ONU, que de certa maneira se contrapõem à hegemonia ilegal e imoral dos EUA, como a China, a Rússia, todo o mundo Islâmico e a maior parte da Europa Ocidental”, afirmou Espinosa.
O Ministro da Justiça Torquato Jardim chegou a considerar a decisão da ONU, na sexta-feira (17), como uma “intromissão política e ideológica indevida”. A leitura da determinação como uma quebra na soberania do país, no entanto, é negada pelo diplomata Sérgio Pinheiro.
“No campo dos direitos humanos não existe mais soberania absoluta, desde a Convenção dos Direitos Humanos. Você não pode bater em mulheres, crianças, queimar refugiados como acontece agora com os Venezuelanos.Tudo isso são limitações internacionais. Não há intromissão, o Brasil ratificou o Pacto Internacional, então ele se comprometeu a cumpri-lo”, afirmou Pinheiro.
Um abaixo assinado online pelo respeito à autoridade da Comissão de Direitos Humanos está sendo compartilhado nas redes sociais, e já reúne mais de 5 mil assinaturas.
Edição: Diego Sartorato