18 de setembro de 2018

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Na Suécia, país-estandarte da social democracia europeia, a extrema-direita xenófoba conquistou 17,5% dos votos em eleições realizadas nesta semana. Associando sua raiva aos imigrantes, como acontece em diversas partes da Europa, dos EUA e até no Brasil, a razão do crescimento da direita radical pode não estar tão associada ao ódio irracional contra populações vulneráveis, mas ao sentimento de abandono diante da aplicação de políticas neoliberais, como aconteceram nos últimos anos na Suécia.

Essa é a opinião do renomado linguista, cientista político e filósofo Noam Chomsky, apoiado por um estudo de cinco economistas suecos que mostrava a ligação entre o corte de gastos em políticas sociais e o crescimento do ódio. “Os eleitores da extrema-direita xenófoba têm pouco contato com imigrantes, mas sofreram com as políticas neoliberais do governo sueco em anos recentes. São pessoas deixadas de fora conforme a desigualdade cresceu e que se sentiram abandonadas pelas instituições políticas”, relatou Chomsky, presente ao Seminário Internacional Ameaças à Democracia e a Ordem Multipolar, e responsável por abrir a segunda mesa do evento, “O progressismo e o neoliberalismo em um mundo em desenvolvimento”.

Ele explicou também que o neoliberalismo surgiu durante uma crise da democracia, nas década de 1970, quando as mentes pensantes do capitalismo central se sentiram ameaçadas pelo crescimento de grupos organizados de minorias, mulheres, negros e LGBT, que buscam reivindicar seus direitos.

Contra esse movimento, as elites precisaram desenhar um novo modelo social que combatesse as greves e as lutas dos trabalhadores. “Eles diziam: ‘são marginais que devem ser colocados em seus lugares’ – ou seja, como espectadores, não participantes do processo político, enquanto a minoria de homens responsáveis comandam em nome de todo mundo”. Desde então, os lucros do mercado financeiro cresceram mais de 1000%, enquanto os salários reais declinaram.

Essa mudança de paradigma, que também demandou mudanças na educação para formar cidadãos mais “dóceis e obedientes”, preconizadas pelas reformas do Fundo Monetário Internacional e pelo Banco Mundial, geram “frustração, raiva e tristeza” na classe trabalhadora, que irá se voltar contra alvos mais vulneráveis. E, desde os anos 1970, quando aconteceu o “assalto neoliberal de Margaret Thatcher e Ronald Reagan [Primeira ministra do Reino Unido e o presidente dos EUA nos anos 1980]”, que preconizava a inexistência da sociedade – “existem apenas indivíduos”–, o modelo teve que ser renovado.

 

Criação de precariedades

Com a crise imobiliária de 2008 e as revoltas que se seguiram em todo o mundo, o sistema financeiro teve que buscar novas formas de garantir seus lucros. “A economia está desenhada para criar precariados”, diz Chomsky, ao lembrar de um estudo importante do economista Alan Krueger, que mostra “que 95% do crescimento do emprego nos EUA entre 2005 e 2015 aconteceu em arranjos alternativos, temporários, de meio período, transformando a sociedade em um saco de batatas e criando uma mistura tóxica que pode irromper de formas perigosas, como vemos hoje pelo mundo”.

Além disso, avançou o que ele qualifica de “capitalismo corporativo”. “O poder corporativo se traduz em declínio da democracia”, analisa Chomsky. “A grande maioria da população é abandonada e os representantes apenas defendem os interesses dos doadores de campanha. A Amazon, a segunda empresa de US$ 1 trilhão de dólares dos EUA, que consome 2% da energia elétrica do país, tem muitos subsídios, enquanto se cortam benefícios sociais. Só quem ganha é o agronegócio, as finanças, as grandes indústrias”.

Com a democracia sob ataque, um processo que, apesar do exemplo estadunidense, pode ser visto também no Brasil e em diversas partes do globo, quais são as saídas? Mesmo reconhecendo que a situação do país é grave, Chomsky apresenta um exemplo generoso:

“Há um século, o Brasil era reconhecido como possível colosso e esse objetivo parecia à vista há alguns anos, quando se tornou talvez o país mais respeitado do mundo, sob a liderança de Lula e de seu ministro Celso Amorim, com seus impressionantes feitos. E isso é uma indicação do que pode ser alcançado pelo país. Nunca subestime os obstáculos à frente e tampouco a capacidade do espírito humano de superá-los e prevalecer”.

 

Resistências
Na sequência, antes de começar sua exposição, Cuauhtémoc Cárdenas, presidente do Centro Lázaro Cárdenas, do México, e ex-governador do Distrito Federal daquele país, destacou a satisfação de encontrar o ex-presidente Lula na superintendência da Polícia Federal em Curitiba, na tarde da última quinta-feira (13). “Encontramos uma pessoa que nos levantou o ânimo, nos fez ver que ele segue combativo e disposto a seguir na luta”.

Cárdenas fez uma explanação sobre a realidade atual do México, recordou a aplicação de políticas neoliberais nas últimas décadas e a recente eleição do esquerdista Andrés Manuel López Obrador como um marco para a história recente dos mexicanos, no sentido de superar problemas gerados ou aprofundados pelo período neoliberal. “Nós acreditamos que a única forma de resolver os nossos problemas é mudar o modelo, o sistema de desenvolvimento político, econômico e social que temos”.

“Estamos propondo uma mudança na forma como vivemos. E que finalmente possamos superar isso que ficou conhecido como políticas neoliberais”, ressaltou.

Em seguida, Luiz Carlos Bresser Pereira, economista, cientista político, ex-ministro nos governos de José Sarney (PMDB, 1985-1990) e Fernando Henrique Cardoso (PSDB, 1994-2002) fez uma fala com foco no desenvolvimento da economia capitalista até a adoção das políticas neoliberais, mais fortemente aplicadas a partir da década de 80 na América Latina. E fez uma crítica aos projetos políticos de esquerda, pela ausência de uma alternativa. “O neoliberalismo, que esteve vigente no mundo desde a década de 80, fracassou. Mas a centro-esquerda não conseguiu formular o seu projeto econômico”.

Já Carlos Ominami, ex-senador chileno e diretor da Fundación Chile 21, homenageou o ex-presidente Lula. “Eu diria que Lula é o principal líder, a figura mais destacada do progressismo a nível global. Em uma época existiam dois: Nelson Mandela e Lula. Mandela se foi e Lula ficou. Por isso, por sua liderança no Brasil e no mundo, podemos dizer que tentaram acabar com ele, mas não conseguiram. Hoje Lula é maior do que antes”.

E comparou o golpe de estado no Brasil, em 2016, ao golpe vivido por Salvador Allende no Chile, na década de 70. “As ameaças à democracia existem e são muito sérias. E o Brasil é um exemplo disso. O golpe de estado em 2016 contra Dilma é, talvez, o fato mais grave da política latino-americana desde o golpe contra Salvador Allende”.

 

Brasil da esperança

O ex-primeiro ministro espanhol José Luís Rodrigues Zapatero, lembrou, em tempos de crise migratória, como o Brasil foi capaz de receber ao longo de sua histórias, ondas de imigrantes europeus, acolhendo, dando refúgio e oferecendo uma nova vida e construção do país. E que isso se seguiu até o presente, com os últimos governos progressistas do país.

“O Brasil é uma referência decisiva para a América Latina. O Brasil de Lula, da democracia, da esperança. Nunca se havia empenhado tanto na luta contra a pobreza e a miséria no mundo. Temos que reconhecer o seu compromisso em erradicar a pobreza extrema e a morte por fome. Minha geração pode ser a primeira que conhece o fim da mortalidade pela fome no mundo”, disse.

Zapatero, ao fim, pediu que o campo progressista não perca a esperança e a capacidade de pensar saídas para o neoliberalismo. “Todos os petistas, lulistas, todo o Brasil progressista, temos que demonstrar que não permitem que a democracia seja a superioridade dos mais poderosos. Não podemos perder a confiança em nós mesmos, no que representamos nos valores da esquerda, nos ideais, e saber que a democracia é sempre uma luta pela democracia.”, finalizou.

Edição: Diego Sartorato

Brasil de Fato