Mônica Valente: “A luta é por Lula e pela democracia”
Há mais de 400 dias que o ex-presidente Lula encontra-se na prisão, após haver sido condenado por um caso de corrução relacionado com a Operação Lava Jato. Desde o início, o Partido dos Trabalhadores (PT) denuncia que o verdadeiro motivo de seu encarceramento é uma perseguição político-judicial que buscou impossibilitá-lo de concorrer nas últimas eleições presidenciais. Uma defesa que, nos últimos dias, foi confirmada pelas revelações realizadas pelo site The Intercept Brasil. A esperança de reverter sua atual condição voltou a crescer há alguns dias quando o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou um Habeas Corpus apresentado por sua defesa, mas não durou muito, pois, a Corte decidiu pelo adiamento do debate e pela manutenção da prisão do ex-presidente.
Sobre esta situação pela qual atravessa o gigante sul-americano, o L’Ombelico del Mondo conversou com Mônica Valente, secretária de Relações Internacionais do PT, dirigente sindical e ex vice-presidenta da Central Única dos Trabalhadores (CUT). ‘Acredito firmemente que em agosto conseguiremos libertar Lula’, disse Valente, e analisa: ‘A luta é por Lula e pela democracia’.
Existiam esperanças no PT de uma decisão favorável do STF para Lula?
Sim, porque desde que começou o processo judicial contra Lula estamos dizendo ao mundo que é uma perseguição política. Há quatro semanas nossa opinião foi confirmada pelas revelações do The Intercept. Está cada vez mais claro que o ex-juiz Moro atuava para condenar Lula e retirá-lo do processo eleitoral, porque se não houvesse sido desta maneira Lula seria presidente.
Tivemos esperança porque os fatos divulgados pelo The Intercept confirmam a tese jurídica da defesa de Lula de uma maneira incontestável. Embora o juiz Celso de Mello não tenha votado pela liberação imediata de Lula, ele não entrou no mérito do tema apresentado pelos seus defensores, que é o de que o ex-juiz Moro não poderia julgar o processo contra Lula, porque era parte da acusação. O magistrado falou somente da libertação imediata de Lula, sem entrar no mérito da verdadeira questão. Creio firmemente que em agosto conseguiremos libertar Lula, porque cada coisa que dissemos é confirmada com as revelações do The Intercept.
Apesar desta sentença desfavorável, vocês creem que Lula poderia sair da prisão de forma transitória a partir de setembro, devido ao regime semiaberto?
Desde que a Suprema Corte de Justiça diminuiu a condenação de Lula em abril, ele, naturalmente, pode progredir para o regime semiaberto. Isto é certo porque esta é a lei. E porque dos 12 anos de condenação, a Suprema Corte diminuiu para pouco mais de 8 anos e, em um ano e poucos meses que cumprirá em setembro, já terá o direito de migrar de um regime fechado para outro, um regime que o possibilita sair, trabalhar, receber pessoas e falar com elas. A única condição seria permanecer em sua casa durante a noite.
Nós queremos mais que isso porque sabemos que Lula é inocente e agora está claro que sua condenação foi uma perseguição. Vamos seguir lutando pela anulação de sua condenação porque não foi um processo normal. Moro, em sua sentença condenatória, não consegue identificar nenhum ato de corrupção que Lula tenha praticado para ser condenado. O ex-juiz fala de “atos indeterminados”. Em nenhuma parte do mundo democrático, em nenhuma sociedade democrática, alguém é condenado por “atos indeterminados”. Isto não existe nas democracias e nos sistemas judiciais justos. Temos a esperança de anular a condenação de Lula mas, independente disso, a defesa de Lula solicitará em dezembro a mudança de regime de encarceramento, porque é um direito que ele, como qualquer outra pessoa, tem garantido por lei. O que nos interessa é a anulação dos processos porque a cada dia fica mais claro que não existe crime e que Lula é inocente. Esta é uma luta de longo prazo, sabemos, mas não iremos desistir.
Há alguns dias falamos com Renato Simões e ele nos disse que o Poder Judiciário não atuou isoladamente, e que havia outros setores envolvidos em sua condenação. Você concorda? De que setores estaríamos falando?
Nosso companheiro Renato Simões tem razão. Não é somente a 13ª Vara Criminal de Curitiba, que é onde o ex-juiz Moro era o titular, e que perpetrou esta tramoia contra Lula. Existem algumas ramificações no Tribunal Regional Federal nº4, tanto que a sentença contra Lula foi ratificada pelo TRF4, cujo presidente é o padrinho do filho de Moro. No TRF4 também existe uma ramificação do aparato judiciário brasileiro para corroborar a sentença de primeira instância, o que significou uma condenação em segunda instância que, por uma manobra de parte do aparato judiciário, com a pressão dos militares, resultou em um encarceramento imediato, quando em 2017 não conseguimos retardar o aprisionamento de Lula na Suprema Corte. Porque a Constituição brasileira diz que só pode haver prisão depois que todos os recursos sejam julgados, e Lula e muitos outros não chegaram ao final do processo. Portanto, existem ainda outros recursos judiciais.
Ademais, quando foi realizado o pedido para que Lula não fosse preso em 2017, houve um processo na Suprema Corte, e tivemos o absurdo de um General do Exército, o Gal. Eduardo Villas Bôas, padrinho da candidatura de Jair Bolsonaro, fazer declarações dizendo que se Lula ganhasse este recurso na Corte, iríamos ter um processo de convulsão social. Uma clara pressão sobre a Corte. Neste processo, uma dos onze juízes, Rosa Maria Weber, votou contra sua própria opinião, divulgada muitas vezes em outros processos, para não permitir que Lula aguardasse sua condenação final em liberdade. Uma juíza que sempre votou em seus processos de uma maneira garantista e que, neste caso específico, frente à declaração do General, disse que ia votar junto aos outros magistrados da Corte, ainda que pensasse o contrário. Além de algumas ramificações no aparato judiciário, também existem influências por parte de alguns militares.
Este processo é complexo e é um processo que indica a existência de uma parte expressiva do aparato institucional brasileiro que se comporta de maneira antidemocrática, e nossa democracia é jovem. Nós não conseguimos realizar o mesmo que foi feito na Argentina, que foi ter passado a limpo a história da ditadura militar. Certamente são heranças nefastas que temos desde esta época. Não conseguimos construir instituições democráticas fortes e imunes a este tipo de pressão, mas a luta é assim. Seguimos lutando não apenas pela liberdade de Lula, que é muito importante, mas também para fortalecer a democracia brasileira, que atualmente encontra-se em risco. Se puderam encarcerar um homem como Lula, que foi presidente, sem comprovação alguma de seus crimes, o que acontece com as pessoas comuns que não têm esta visibilidade? A luta é por Lula e pela democracia.
Existe alguma estratégia do PT para estender a demanda a nível jurídico para além das fronteiras do Brasil, para buscar uma solução em relação a este processo contra Lula?
O Comitê de Direitos Humanos da ONU continua o processo de Lula. É o mesmo que havia recomendado que o Brasil permitisse a inscrição de Lula como candidato, e que as instituições brasileiras não obedeceram. Naquele momento, foi uma decisão preliminar para garantir o direito humano de Lula de inscrever-se como candidato. Agora, o mesmo Comitê segue julgando o caso. Havia uma expectativa da nossa parte de que o caso retornasse ao Comitê no mês de maio, mas como mudou o governo e Bolsonaro interpôs outras informações, o Comitê postergou o julgamento para setembro. Após as revelações do The Intercept, a defesa de Lula no exterior apresentou novos fatos que corroboram a tese de perseguição judicial. Seguimos com a expectativa de que o Comitê possa apreciá-lo o quanto antes. Sabemos que os processos judiciais internacionais são mais lentos porque é preciso muito cuidado e muita precisão, mas temos esperança. Se logramos uma sentença favorável a Lula pelo Comitê, será a primeira vez que o país será condenado por violar os direitos humanos e civis das pessoas.
Além disso, existem muitas iniciativas internacionais. O Prêmio Nobel da Paz da Argentina, Adolfo Pérez Esquivel, por iniciativa própria apresentou a candidatura de Lula como Prêmio Nobel da Paz 2019. Isso foi muito importante. Não apenas como reconhecimento da inocência de Lula mas, também, por seu trabalho pelos direitos humanos no Brasil e no mundo, como o combate à pobreza e a construção da paz no Brasil e América Latina. Esta proposta conseguiu muitas adesões por todo o mundo, mais de 600 mil pessoas e personalidades assinaram esta indicação, que também nos ajuda por ser um reconhecimento internacional.
Qual sua visão, como encarregada das relações internacionais do PT, sobre o aprisionamento de um militar brasileiro em Sevilla, parte da comitiva oficial que se dirigia ao G20 em Osaka, por transportar 39 kg de cocaína? Como analisa a política exterior do governo Bolsonaro?
Desde que Bolsonaro foi eleito parece, por suas posições, seus discursos e iniciativas, que existe uma espécie de “licença” para delinquir e para matar, como é o projeto de armamento da população. Isso explica o absurdo de que um militar da equipe da presidência possa transportar no avião presidencial 39 kg de cocaína. É a certeza da impunidade, a certitude de que não será condenado. É uma vergonha para o nosso país. Não é primeira vergonha que passamos desde que este presidente tomou posse. Nos entristece muito que nosso país, depois de anos gloriosos, tenha que passar por esta vergonha, este governo autoritário.
Bolsonaro disse que seu governo será uma gestão que voltará a obedecer os Estados Unidos. Este é um retrocesso muito grande. Toda a sua política externa caminha neste sentido: destruir a participação brasileira na construção dos organismos multilaterais e criticar a política externa altiva que tivemos nos anos anteriores. É uma pena que a população tenha que passar por isto e pela perda de protagonismo que significa o governo Bolsonaro.