Sérgio Moro, de ‘herói’ anticorrupção a aliado do Clã Bolsonaro
O atual ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, comandou a Operação Lava Jato durante quatro anos e ao longo deste período sempre negou ter motivações políticas em suas decisões – muitas vezes – direcionadas apenas aos partidos da esquerda. Considerado por alguns o “herói” do combate à corrupção, também afirmou em diversas ocasiões que não tinha intenção de ser candidato ou ocupar cargos executivos. Hoje integra um governo que em menos de dois meses já está atolado em denúncias de esquemas de corrupção e lavagem de dinheiro, coincidência ou não, a especialidade do juiz.
No comando da Lava Jato, Moro se inspirou na Operação Mãos Limpas, que levou o sistema político da Itália a um colapso nos anos 1990 e resultou na eleição de Silvio Berlusconi para a presidência do país. Assim como no Brasil, o juiz que comandou a caça às bruxas italiana também abandonou a magistratura para se tornar político e com o passar dos anos se tornou uma figura bem parecida ao estereótipo que tentou combater com a megaoperação.
Quando assumiu o superministério, Moro prometeu levar sua experiência de combate à corrupção para dentro do próprio sistema, mas na prática não é assim que a banda toca e a mistura dos poderes Executivo e Judiciário pode ser perigosa. Primeiro porque coloca em xeque a atuação do atual ministro enquanto juiz que dizia não ter motivações políticas e depois, porque pode soar como uma espécie de proteção ao governo que mal começou e já está envolvido em esquemas de lavagem de dinheiro.
O cientista político italiano Alberto Vanucci faz uma comparação entre a Mãos Limpas e a Lava Jato, em entrevista à BBC Brasil, e afirma que tanto lá, como aqui, a tendência é este movimento do tabuleiro não dar certo. Pior, ainda pode levar a opinião pública a duvidar do judiciário, o que para ele, é a falência da democracia. “Tudo bem cidadãos não estarem de acordo ou não acreditarem em políticos, mas é muito perigoso desconfiar de juízes, porque isso é desconfiar da lei, da Justiça. A decisão de Moro [de assumir o ministério] fortalece a visão de que juízes fazem parte da atividade política”.
Para Vanucci, o combate à corrupção não pode ser atribuído a apenas uma pessoa porque trata-se de um problema enraizado no sistema. “Pensar que ser um ‘herói’ anticorrupção vai lhe dar a habilidade de ser um Ministro da Justiça é bobagem. (…) O trabalho anticorrupção não é feito por heróis, ele é feito por um entendimento profundo da administração pública, da economia, da política. E uma investigação como a Lava Jato, por mais importante que seja, não é garantia desse tipo de conhecimento”, explica o especialista.
Na Itália, a Operação Mãos limpas não só não acabou com a corrupção, como deixou o sistema político como um todo bastante fragilizado e abriu caminho para figuras como Berlusconi chegar ao poder. No Brasil, após um longo período de estigmatização dos partidos políticos tradicionais, em grande parte apoiada pela mídia hegemônica, surgiu a brecha para o crescimento de um “pseudo-outsider” como é o Bolsonaro. Ele fez uma campanha ancorada na imagem de ser uma alternativa “nova”, mas está inserido no jogo desde o começo da jovem democracia brasileira.
O velho ditado: “Diga com quem andas…”
Assim que assumiu o superministério, Moro passou a ser o responsável pelo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras). O órgão integra o sistema de combate a ilícitos e lavagem de dinheiro e entrou em evidência ano passado ao divulgar um relatório que constatou movimentações financeiras atípicas na conta bancária de Fabrício Queiroz, assessor do senador Flávio Bolsonaro (PSL – RJ) e amigo do presidente Jair Bolsonaro. O relatório mira até a atual primeira-dama, Michelle Bolsonaro, que teria recebido um depósito de R$ 24 mil.
Flávio Bolsonaro não está envolvido só com este esquema de lavagem de dinheiro com seu motorista. Também cai sobre ele a suspeita de ser muito próximo aos milicianos do Escritório do Crime, que de acordo com as investigações do Ministério Público do Rio de Janeiro, pode ser a organização criminosa responsável pelo assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL).
Os próximos relatórios do Coaf estão agora sob a responsabilidade do ministro da Justiça e Segurança Pública que até dezembro passado vendia uma imagem de total imparcialidade. A operação Mãos Limpas ensinou algumas lições para a Itália, entre elas, que não é uma boa ideia um juiz se tornar ministro da Justiça para não cair nesta saia justa em que Moro se meteu.
Quando Bolsonaro o convidou para integrar seu governo, não aumentou os poderes do herói nacional anticorrupção. Pelo contrário, neutralizou a atuação deste juiz que até então era considerado o paladino da moral. Não sem antes ter sido beneficiado, uma vez que encontrou um caminho com menos obstáculos para chegar à presidência depois que Lula foi preso graças à Lava Jato.
“Harvard Boy”
Durante as ditaduras militares que dominaram muitos países da América Latina entre os anos 60 e 90, houve um grupo de economistas formados pela Universidade de Chicago, nos EUA. Eles ficaram conhecidos como os “Chicago Boys” e implementaram a política neoliberal por aqui, um deles é o superministro da Economia de Bolsonaro, Paulo Guedes.
Passadas décadas, o modelo usado para influenciar o cenário político de outros países mudou pouco – ou quase nada – e o Departamento de Estado Norte-Americano (DoS) segue com suas cartilhas de doutrinação liberais vigentes.
Um dos alunos aplicados é o ex-juiz da Lava Jato que em 2007 participou do International Visitors Program, organizado pelo Departamento de Estado Norte-Americano, e fez visitas a agências e instituições dos EUA encarregadas da prevenção e do combate à lavagem de dinheiro.
Em seu currículo Lattes, Moro se define como “especializado em crimes financeiros” com treinamentos em universidades norte-americanas. Em 1998, quando ainda cursava o mestrado na Universidade Federal do Paraná, participou do Programa de Instrução para Advogados na Escola de Direito de Harvard.
Mas a relação do atual ministro com os EUA não é só acadêmica. Antes de assumir o comando da Lava-Jato e ganhar os holofotes da imprensa nacional, ele já era visto pela Casa Branca como uma figura destacada do judiciário brasileiro.
Um documento divulgado pelo Wikileaks mostra que em 2009 o Departamento de Estado dos EUA realizou um seminário do Brasil, mais precisamente no Rio de Janeiro, chamado “Projeto Potes: Construindo pontes para a aplicação da lei no Brasil”. Destinado a promotores e juízes, o evento contou com delegações da Argentina, Costa Rica, México, Panamá, Paraguai e Uruguai, além da brasileira, claro, que enviou também policiais federais.
O documento em questão é um relatório do próprio DoS sobre o resultado do seminário e afirma que os latino-americanos receberam o curso com “grande entusiasmo” e ainda solicitaram “treinamento adicional”. Um dos participantes do evento, obviamente, foi Sérgio Moro, que discorreu sobre os “cinco pontos mais comuns acerca da lavagem de dinheiro no Brasil”.
Entre outras “lições”, a equipe norte-americana ensinou os segredos da “investigação e punição nos casos de lavagem de dinheiro, incluindo a cooperação formal e informal entre os países, confisco de bens, métodos para extrair provas, negociação de delações, uso de exame como ferramenta, e sugestões de como lidar com Organizações Não Governamentais (ONGs) suspeitas de serem usadas para financiamento ilícito”.
Foram estes atributos de Moro que levaram a ministra do Supremo Tribunal Federal, Rosa Weber, a convidá-lo para ser seu auxiliar no julgamento do Mensalão. Foi assim que ele começou a se destacar no cenário político nacional, até chegar ao comando da Lava-Jato.
A partir daí as visitas do juiz aos Estados Unidos ficaram cada vez mais frequentes, raramente a passeio. Especialista em vazamentos seletivos, em 2016 ele chegou a palestrar sobre a “importância da mídia no apoio a investigações criminais”. E foi apresentado em um seminário na Pensilvânia como o “líder central no fortalecimento do Estado de Direito” no Brasil.
Caracterizado pelo jornal Washington Post como um “nerd”, Moro parece ter aprendido muito bem a lição do Departamento de Estado e a colocou em prática no Brasil. Nos últimos anos, suas investigações na Lava Jato basearam-se, basicamente, em delações premiadas, para as quais ele usou o método do “Projeto Pontes” de confiscar bens a fim de pressionar os investigados e se apoiou na grande mídia para dar vazão às informações seletivas que poderiam expor ou proteger quem quer fosse a peça da vez.
Um caso emblemático deste método do juiz de usar informações privilegiadas de acordo com seus interesses foi quando tornou pública a delação do ex-ministro Antonio Palocci (dos governos Lula e Dilma) a apenas três dias para o primeiro turno das eleições presidenciais. À época a corrida eleitoral estava acirrada entre Bolsonaro e o petista Fernando Haddad.
Carta Maior | Foto: Wikimedia