LULA
Lula do Brasil
Por Fernando Morais
No Brasil em que o menino Lula nasceu, em 1945, suas chances de sobreviver e chegar à idade adulta com educação formal e um trabalho digno eram mínimas, quase nulas. De cada dez crianças nascidas no Nordeste do país, duas morriam antes de completar um ano. Ele sobreviveu; como sobreviveria à seca, ao latifúndio e à fome, as três pragas que assolavam a região.
No mundo em que Lula nasceu, o destino do Brasil estava condicionado aos interesses do lado norte-americano da Guerra Fria. Era um país com metade da população isolada no campo e 56% de analfabetos (mais de 70% no Nordeste). As elites atrasadas viviam da renda agrícola e financeira, combatendo tenazmente qualquer um que sonhasse com um país desenvolvido e socialmente justo.
A vida de Lula se confunde com a luta de toda uma geração de brasileiros que desafiou aquele destino. Ainda criança ele percorreu, com a mãe e os irmãos, o longo caminho de Garanhuns até o litoral de São Paulo, onde conheceriam outras pragas: o desemprego, a favela, a violência. E a fome sempre rondando. Sobreviveram graças à obstinação de dona Lindu, que ensinou os filhos a trabalhar desde cedo e a compartilhar solidariamente o pouco que cada um ganhava.
Lula era um jovem operário quando os militares tomaram o poder no país, em 1964. Nos anos seguintes, trabalhando no coração da indústria brasileira, Lula iniciou seu aprendizado político pela ação sindical – numa época em que reivindicar salários e direitos podia dar em cadeia, tortura e morte. Liderando greves reprimidas pela ditadura, aprendeu que os trabalhadores precisavam também fazer política, ter seu próprio partido.
Desde a criação do PT, em 1980, a trajetória de Lula é bem conhecida. Construiu o maior partido de massas do país, disputou e perdeu três eleições, desafiou o preconceito, os poderosos, os meios de comunicação, para tornar-se, em outubro de 2002, o primeiro trabalhador eleito presidente do Brasil. Em oito anos de governo, provou que era possível mudar o destino do país.
Acompanhe a biografia organizada pelo jornalista Camilo Vannuchi.
Os Primeiros Anos
JUNHO / 1935
Eurídice Ferreira de Melo, a Dona Lindu, casa-se aos 20 anos com Aristides Inácio da Silva, de 22. As bodas são celebradas apenas no religioso, a quilômetros de distância do cartório mais próximo, e comemoradas com sanfona e foguetório na fazenda Cajaranas, em Caetés, então um distrito de Garanhuns, no agreste pernambucano. O casal se conhece desde sempre. As famílias de Lindu e Aristides são vizinhas, e seguem a tradição de casar os filhos entre si, numa época em que os sertanejos saiam de seu povoado, apenas para comprar mantimentos na cidade mais próxima. A feira fica em Garanhuns, onde Aristides, a cavalo, compra sal, açúcar, querosene e sabão em troca do parco dinheiro que obtém vendendo farinha de mandioca para um moinho local. Lavrador de subsistência, o marido fornece milho, mandioca e feijão para as panelas de Lindu. De vez em quando, uma galinha, um porco ou uma carne de caça, graças à boa pontaria de Aristides.
SETEMBRO / 1945
Dona Lindu e Seu Aristides moram no sítio Vargem Comprida, em Caetés. O agreste pernambucano é castigado pela pior seca desde 1932. Outra tão severa só seria registrada no Estado em 1951. Com a lavoura condenada, e quase sem ter o que comer e beber, Aristides deixa os seis filhos e a mulher grávida de oito meses e migra para tentar a vida em São Paulo. Sem que ninguém da família saiba, o retirante leva consigo Dona Mocinha, uma prima de Dona Lindu, de apenas 15 anos. Ela também espera um filho dele. Aristides logo arrumaria emprego como carregador de sacos num armazém de café em Santos, no litoral paulista, e passaria a morar com Mocinha numa casa de madeira no distrito de Vicente de Carvalho, Guarujá.
OUTUBRO / 1945
Luiz Inácio da Silva nasce ali no sítio Vargem Comprida, em Caetés. É o sétimo filho de Aristides e Dona Lindu. O parto é feito em casa, uma humilde construção com chão de terra e apenas dois cômodos: uma sala e um quarto. As crianças dormem em redes. Na casa não há mesa, cadeiras, água encanada ou mesmo banheiro, seja dentro ou fora. O banho é semanal, num açude a seis quilômetros de distância.
JUNHO / 1949
Data do primeiro retrato de Lula, tirado aos 3 anos, junto com a irmã Maria, dois anos mais velha, num estúdio em Garanhuns. A roupa e as sandálias, maiores do que seus pés, foram emprestados pelo fotógrafo. Lula não tinha nenhum calçado e só iria conhecer sapatos na adolescência, em São Paulo.
JUNHO / 1950
Aristides faz sua primeira visita ao sertão desde a partida, em 1945. Lula tem 5 anos e vê o pai pela primeira vez. Desconfiado, pergunta para a mãe: “Quem é esse homem?”. Antes de voltar para Santos, Aristides engravida Dona Lindu novamente. Dessa vez, leva com ele o filho Jaime.
DEZEMBRO / 1952
Em dezembro, Dona Lindu reúne os filhos, vende a casa e os poucos pertences, e embarca num pau-de-arara rumo a São Paulo. Foi graças a uma peça pregada por Jaime que a mãe e os irmãos chegaram ao litoral paulista. Aristides, analfabeto, ditava as cartas que queria enviar para a mulher enquanto o filho, alfabetizado, redigia. Numa delas, dizia que a vida em Santos estava difícil e insistia para que a mulher permanecesse em Pernambuco. O filho fez o contrário. Passando-se por Aristides, orientou a mãe a vender tudo e partir a seu encontro. A família segue o fluxo migratório predominante na época, rumo aos Estados do Sudeste, em franca industrialização. Milhares de retirantes repetiriam o mesmo trajeto nas décadas seguintes, fugindo do clima e da falta de perspectivas na terra natal, carente não apenas de chuvas, mas principalmente de investimentos.Apenas em janeiro de 1952, entraram em São Paulo 23 mil nordestinos. A tendência só seria reduzida na década de 2000, quando políticas de distribuição de renda e de criação de empregos encampadas pelo então presidente Lula fizeram com que o IBGE registrasse, em 2010, um movimento de retenção da população nordestina e também de retorno dos retirantes a seus Estados. O que mais recebeu gente de volta, na ocasião, foi justamente Pernambuco. Após 13 dias de viagem, espremida no caminhão com outros retirantes, a família desembarca no Brás, na capital paulista, e segue para Santos. Um barco os leva finalmente a Vicente de Carvalho, onde reencontram Aristides e Jaime. Assustado, o pai não demonstra alegria ao rever a mulher e os filhos. Pelo contrário, fica nervoso ao dar pela falta do cachorro Lobo, que ficara no sertão.
“Meu pai era um poço de ignorância. Um dia, em 1952, a minha irmã tinha uns três anos, eu via meu pai comendo pão e a minha irmã pedindo um pedacinho. Meu pai pegava os pedacinhos de pão e ia jogando para os cachorros. Ele não dava para ela. Isso me marcou muito. Na época eu tinha uns oito ou nove anos.”
AGOSTO / 1953
Aos 7 anos, Lula começa a trabalhar como vendedor ambulante ao lado do irmão Ziza (apelidado de Frei Chico depois de adulto), três anos mais velho. Amendoim, tapioca, laranja… Tímido, morria de vergonha de gritar “Olha a laranja!” no cais de Santos. Acabou virando engraxate no Centro da cidade.
MARÇO / 1954
Lula frequenta o Grupo Escolar Marcílio Dias, escondido do pai. Aristides proibira os filhos de estudar e brincar: apenas trabalhar era permitido.
OUTUBRO / 1955
Cansada do alcoolismo e das grosserias de Aristides, que agredia fisicamente as crianças, Dona Lindu abandona o marido e parte de casa com os filhos. O estopim fora uma ocasião em que Aristides castigou Ziza com golpes de mangueira e, em seguida, partiu para cima de Lula, para castigá-lo também. Dona Lindu postou-se diante do caçula, então com 9 anos, como se fosse um escudo, para que o marido não batesse nele. Acabou levando uma mangueirada. Sentiu pela primeira vez no próprio corpo a fúria do marido e não admitiu apanhar dele.
“Nós não tínhamos vida de criança, não tinha esse negócio de brincar, jogar bola, se divertir. A separação foi um grito de liberdade que a minha mãe deu.”
AGOSTO / 1956
Lula muda-se para São Paulo e vai morar com a mãe e os irmãos na Vila Carioca, um bairro operário no distrito do Ipiranga. Moram nos fundos de um bar, arrendado por um tio, onde o banheiro é compartilhado com os clientes. Não há asfalto, nem calçada, nem saneamento, nem mesa ou cadeiras em casa. Em pouco tempo, os irmãos arrumam emprego e a família aluga uma casa de alvenaria, também na Vila Carioca. Na época das chuvas, a casa é invadida por enchentes.
MARÇO / 1959
Depois de trabalhar como ambulante, engraxate, office boy e auxiliar numa tinturaria, Lula arruma seu primeiro emprego com carteira assinada nos Armazéns Gerais Columbia. Com a mesma timidez que o impedia de gritar “laranja!”, Lula emudece, fica nervoso ao telefone e se atrapalha ao transmitir os recados. É demitido. Seu maior prazer é jogar futebol. Ou ir ao cinema, quando conseguia um paletó emprestado.
SETEMBRO / 1960
Aos 14 anos, Lula é empregado na Fábrica de Parafusos Marte, onde ganha seu primeiro ordenado como metalúrgico: meio salário mínimo. No emprego, surge a oportunidade de se inscrever para o curso profissionalizante no Senai, o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial. Lula não se entusiasma para ir ao primeiro teste, para o curso de fundidor, mas presta exame para o segundo, de torneiro mecânico. É aprovado. Por três anos, além de aprender a profissão, ele teria as aulas habituais do currículo do ensino secundário, incluindo Educação Física, com direito a partidas de basquete e futebol, para seu deleite. Lula passa a jogar bola também aos domingos, formando um time de várzea com os colegas, participa das atividades culturais do Senai, e logo se torna o mais bem remunerado dos filhos de Dona Lindu, assumindo boa parte das despesas da casa. Os seis meses de estágio exigidos pelo curso técnico são cumpridos na própria Fábrica de Parafusos Marte, onde Lula trabalhou durante três anos e meio e conheceu aquele que foi seu mestre no torno, o Velho Barbosa.
MARÇO / 1962
Empregado na Metalúrgica Independência, aos 18 anos, Lula opera o torno no turno da noite, muitas vezes cumprindo expediente das 19h às 7h. Realizar mais horas extras do que o permitido por lei era prática comum na fábrica. Numa dessas ocasiões, por volta das 2 horas da madrugada, quebrou o parafuso de uma prensa e Lula tratou de consertá-lo. No momento em que ele repunha a peça em seu lugar, o operário que trabalhava na prensa naquela noite cochilou e largou o braço da prensa, fazendo-a desabar sobre a mão esquerda de Lula, esmagando-lhe o dedo mínimo. Lula tem de esperar até as 6 horas da manhã com a mão enrolada em panos para o patrão chegar e levá-lo ao hospital Monumento, conveniado com o instituto de previdência social da época. O dedo é amputado numa cirurgia. O episódio não constitui exceção. Num país que raramente observa as normas de segurança no trabalho, são muitos os operários que exibem membros mutilados, como se aquele fosse o preço cobrado pela industrialização. Em razão do acidente, Lula recebe uma indenização de 371 mil cruzeiros, o equivalente a pouco mais de R$ 15 mil em 2014. Segue trabalhando normalmente na fábrica.
DEZEMBRO / 1962
Lula forma-se no Senai. Para a cerimônia de entrega do certificado de conclusão, usa gravata pela primeira vez.
“Eu gostaria de ter podido fazer um curso superior. Eu gostaria de ser economista, mas não foi possível. Não fico me lamentando. O essencial eu tenho, que é o compromisso ideológico.”
JANEIRO / 1963
João Goulart, que assumira a Presidência da República após a renúncia de Jânio Quadros, em 1961, consegue finalmente lançar seu plano de governo, com a aprovação, em plebiscito, da volta do presidencialismo, apoiado por 90% da população. Antes, para tomar posse, fora obrigado pelas forças armadas a aceitar um regime parlamentarista, que lhe reduzira poderes. Sua agenda tem forte apelo social e inclui medidas como a reforma agrária e a nacionalização de empresas privadas em setores estratégicos. O apoio dos operários é proporcional ao temor dos patrões.
MARÇO / 1964
Ocorre o golpe que mergulharia o país em 21 anos de ditadura. Apoiada pelos Estados Unidos e pela maior parte da grande imprensa e dos políticos tradicionais, a manobra é justificada como medida necessária para afastar o fantasma do comunismo — que, segundo os militares e os civis favoráveis ao golpe, rondavam o governo progressista de João Goulart. No novo regime, congressistas seriam cassados, partidos seriam extintos, governantes passariam a ser nomeados e a censura seria instalada nos jornais, nas rádios e nos canais de TV.
Lula envolve-se numa discussão por aumento de salário e deixa a Metalúrgica Independência após 11 meses no emprego. É admitido na Fris Moldu Car, metalúrgica onde trabalha por seis meses e da qual é demitido por não comparecer ao serviço num sábado, preferindo passar o fim de semana na praia.
JUNHO / 1965
A política econômica recessiva adotada no país após o golpe militar faz com que Lula amargue mais de um ano desempregado. Perambula de fábrica em fábrica, sempre a pé, sem dinheiro para pagar a condução, e ouve sempre a mesma resposta: “Não há vagas”.
“Eu, às vezes, parava no meio do caminho e chorava pra cacete. Porque você perde a perspectiva. Eu não tinha muita responsabilidade porque eu era solteiro, mas fico imaginando o cara que é casado.”
JANEIRO / 1966
Lula é admitido nas Indústrias Villares, em São Bernardo do Campo, uma das mais robustas metalúrgicas da época. São Bernardo é uma das cidades que integram a região conhecida como ABC, na Grande São Paulo, onde estão algumas das maiores fábricas do Brasil, principalmente metalúrgicas, com destaque para as montadoras de automóveis. No final da década de 1970, São Bernardo teria 210 mil habitantes, e a vizinha Diadema, 90 mil. Juntas, as duas reuniriam nada menos do que 130 mil operários, quase um a cada dois habitantes adultos. Só a Volkswagen somava cerca de 40 mil funcionários.
JUNHO / 1967
Atraído pelo irmão Frei Chico, apelido dado pelos colegas em razão da calvície em estilo franciscano, Lula visita pela primeira vez o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, então presidido por Afonso Monteiro da Cruz. Diz considerar a política sindical muito chata, com discussões desnecessárias, a ponto de preferir ficar em casa vendo novela. Os principais temas em debate eram assistencialistas, como construção de colônia de férias e melhoria do departamento médico. A partir do ano seguinte teria início o chamado milagre econômico, quando a recessão seria substituída pela expansão inflada graças a empréstimos estrangeiros e ao aumento da dívida externa. Muitos operários do ABC recebiam bons salários e gozavam de um padrão de vida próximo ao da classe média, o que desmotivava a mobilização política, em especial entre os operários nordestinos, cientes do quanto a vida poderia ser pior e temerosos de perder o emprego. Após assistir às primeiras assembleias, no entanto, Lula passa a se entusiasmar com as disputas e com os debates acalorados entre bons oradores. Agora, sentia-se como se estivesse diante de uma partida de futebol.
“Eu queria só ser um bom profissional, ganhar meu salário, viver minha vida. Ter filhos. Nada disso de ser liderança sindical me passava pela cabeça.”
SETEMBRO / 1968
Início da trajetória de Lula como líder sindical. Frei Chico, impedido de disputar uma vaga na diretoria do sindicato porque outro funcionário de sua fábrica (a Carraço, de carrocerias de caminhão) já a integrava, convence Lula a se sindicalizar — sua matrícula é 25.968 — e indica o nome do irmão para a chapa situacionista que disputaria a eleição no começo de 1969, encabeçada pelo então segundo secretário Paulo Vidal. Lula é aceito porque os outros membros acreditavam que, como Frei Chico, ele também era ligado ao então clandestino Partido Comunista Brasileiro, o PCB — o que, em tese, garantiria o apoio dos metalúrgicos afinados com o “partidão”.
Sindicalista
ABRIL / 1969
Lula integra a chapa vencedora na eleição para a diretoria do sindicato e toma posse como segundo suplente, no dia 24 de abril. Representante do sindicato junto às bases, continua trabalhando no chão da fábrica e atua dentro da Villares.
MAIO / 1969
Aos 23 anos, casa-se com Maria de Lourdes, sua namorada desde os 18. A cerimônia é simples, na casa de Dona Lindu, com churrasquinho e guaraná. O casal parte em lua de mel para Poços de Caldas, no Sul de Minas. Lourdes é irmã de seu melhor amigo, Jacinto Ribeiro dos Santos, o Lambari.
Um ano e meio após o casamento, Lourdes anuncia que está grávida.
MAIO / 1971
Grávida de sete meses, Lourdes adoece. Lula peregrina por hospitais da rede pública tentando interná-la. Em vão. Anêmica, vítima de hepatite e da negligência dos médicos que resistiram a interná-la, Lourdes morre durante uma cesariana de emergência. O bebê, um menino, também não resiste.
“Quem tem dinheiro pode tudo; quem não tem dinheiro não pode nada, não tem direitos estabelecidos. Como morreu a Lourdes, morrem milhões de pessoas por aí, nesse país, sem ter o menor tratamento médico.”
AGOSTO / 1972
Em depressão desde a morte da mulher e do filho, no ano anterior, Lula agarra-se às atividades sindicais para superar aquele momento. Muda-se para São Bernardo do Campo. Dentro da Villares, passa a intervir nas negociações com os patrões e mostra-se habilidoso.
Pela primeira vez desde o curso do Senai, troca o chão da fábrica por uma sala no sindicato. Integra novamente a chapa reeleita para a diretoria do sindicato, não mais como segundo suplente, mas como primeiro-secretário. Dirige o departamento jurídico e responde pelo setor de previdência social, recém criado.
ABRIL / 1973
Lula emerge do luto mais extrovertido e namorador. Viúvo, morando novamente com a mãe, passa a frequentar bailes e barzinhos quase toda noite, após o expediente no sindicato. Engata um breve namoro com a enfermeira Miriam Cordeiro e, pouco depois, conhece Marisa Letícia Casa, viúva como ele e mãe de Marcos, um menino de 2 anos. Lula está apaixonado por Marisa quando fica sabendo que a ex-namorada está grávida.
MARÇO / 1974
Nasce Lurian Cordeiro da Silva, sua filha com Miriam Cordeiro. Lula assume prontamente a menina, diferentemente do que afirmaria a campanha de Fernando Collor de Mello, em 1989, numa tentativa de desmoralizar o adversário.
MAIO / 1974
Seis meses após se conhecerem, Lula e Marisa casam-se no civil. Passam a lua de mel em Campos do Jordão. Lula oficializaria a adoção de Marcos, o enteado, quando o menino tinha 10 anos.
FEVEREIRO / 1975
Em nova eleição, Lula é eleito presidente do Sindicato, com 92% dos votos, e assume o desafio de liderar uma categoria imensa, com cerca de 100 mil operários e em nítida expansão. Popular e bom negociador, Lula é apoiado por metalúrgicos de diferentes tendências políticas. A chancela do presidente anterior, Paulo Vidal, que integrou a chapa na função de secretário-geral foi essencial para sua eleição. Como Lula era péssimo orador, Vidal imaginava que, na prática, continuaria dando as ordens. Na posse, Lula lê um discurso no qual faz críticas tanto ao capitalismo quanto ao socialismo, qualquer regime que tolhesse a liberdade dos cidadãos, algo pouco comum nos tempos polarizados de Guerra Fria.
MARÇO / 1975
Nasce Fábio Luís, primeiro filho de Lula e Marisa, nove meses e nove dias após a festa de casamento.
OUTUBRO / 1975
Lula faz sua primeira viagem ao exterior, convidado a participar de um congresso da Toyota no Japão. Lá, fica sabendo que seu irmão Frei Chico, ligado ao PCB, havia desaparecido: estaria morto ou preso. É orientado a não voltar ao Brasil, tamanho o risco de ser morto pela repressão. Lula ignora a recomendação e volta para procurar o irmão. Vai ao II Exército, ao Dops, e só um mês depois descobre o paradeiro de Frei Chico, que àquela altura era torturado no DOI-CODI, o mesmo local em que o regime fizera, dias antes, uma de suas mais famosas vítimas: o jornalista Vladimir Herzog, morto sob tortura em 25 de outubro. Nos 21 anos de governo militar, entre 1964 e 1985, a repressão seria responsável por pelo menos 437 mortes e desaparecimentos, segundo levantamento de 2007 da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República. O episódio vivido pelo irmão contribui para que Lula fortalecesse sua oposição à ditadura e passasse a não medir palavras nas assembleias.
“Se tiver que ser preso pelo que eu penso, que eu seja preso.”
FEVEREIRO / 1978
Lula, de bigode, aparece pela primeira vez na capa de uma publicação nacional, a Revista IstoÉ, entrevistado pelo diretor de redação, Mino Carta, e pelo repórter Bernardo Lerer. A entrevista traz pensamentos como este: “Jamais participaria do MDB ou da Arena, são farinha do mesmo saco e têm os mesmos objetivos. A Arena e o MDB não representam a classe trabalhadora. Não me interessa partido de cima para baixo.”
“Eu digo de peito aberto que não tenho compromisso com ninguém, e que o sindicato de São Bernardo e Diadema é uma das poucas coisas independentes que existem nesta terra. Só tenho compromisso com os trabalhadores que me elegeram. A gente andará de cabeça erguida enquanto puder criticar você e amanhã aplaudir, se for o caso, e sem dor na consciência. Infelizmente tem muitos dirigentes sindicais que estão com o boi na sombra.”
ABRIL / 1978
Lula é reeleito presidente do sindicato com 98% dos votos. Desde sua posse, imprimira um jeito moderno e eficiente de envolver a categoria. Se os trabalhadores não vão ao sindicato, o sindicato vai até eles, transferindo as assembleias para as portas das fábricas. Agora, no segundo mandato, Lula decide substituir os tradicionais boletins informativos por materiais mais lúdicos, com charges e quadrinhos. Surge o personagem João Ferrador, desenhado por Laerte Coutinho, ícone da imprensa sindical do ABC.
Lula consegue levar o movimento sindical a um novo patamar de legitimidade. O novo sindicalismo que emerge no ABC mostra-se ao mesmo tempo combativo e independente. Em nada lembra o “peleguismo”, praticado por dirigentes mais fiéis aos interesses dos patrões do que às reivindicações da categoria, nem o “aparelhismo”, característico de diretorias controladas por partidos políticos, acostumados a usar a entidade como instrumento de divulgação de doutrinas e cooptação de votos, sem identificação real com as demandas dos trabalhadores.
MAIO / 1978
O sindicato organiza uma grande manifestação no feriado do Dia do Trabalhador. A principal reivindicação era que o reajuste salarial fosse além do índice definido pelo governo e contemplasse, também, a reposição do poder aquisitivo corroído pela inflação. O sindicato não tomava a iniciativa de convocar a categoria para a greve, uma vez que as greves eram proibidas, mas seus dirigentes abusavam das entrelinhas quando discursavam, numa tentativa de convencer os trabalhadores da necessidade de radicalizar.
Trabalhadores da Scania, uma montadora sueca com fábrica em São Bernardo do Campo, batem o ponto e cruzam os braços, insatisfeitos com o reajuste salarial verificado no holerite do dia 10. São quase 3 mil metalúrgicos em greve, numa paralisação organizada dentro da fábrica. Outras fábricas do setor automotivo aderem. Lula assume as negociações na Scania e consegue fechar um acordo bastante positivo, com 15% de aumento real. O exemplo se alastra pela região do ABC e, em seguida, por outras cidades paulistas. Mais de 150 mil metalúrgicos interromperam a produção sem deixar de comparecer ao local de trabalho. No mesmo dia 12 de maio, Lula é informado da morte de seu pai. Sozinho, Aristides fora enterrado em Santos, como indigente. Havia sido abandonado por Mocinha e por todos os seus 24 filhos conhecidos.
“O arrocho salarial fez com que a classe trabalhadora, após muitos anos de repressão, fizesse o que qualquer classe trabalhadora do mundo faria: negar a sua força de trabalho às empresas”
Lula cogita pela primeira vez fundar um partido. Isso acontece após uma viagem a Brasília, na qual Lula e outros sindicalistas buscam convencer os deputados a rejeitar um decreto-lei que proibia a realização de greves por categoriais consideradas essenciais. Na ocasião, o grupo não encontrou respaldo em nenhuma bancada. Entre os 482 deputados federais, havia apenas dois de origem operária: Benedito Marcílio, então presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André, e Aurélio Peres, de São Paulo, ligado ao PCdoB. Eram necessários 241 votos para garantir o direito de greve. Faltavam 239. Lula chegou a ser esnobado: “Não preciso dos votos de vocês; não sou da sua terra e não fui eleito por operários”, disse um deputado. Esse episódio o fez perceber a urgência de eleger políticos comprometidos com a causa dos trabalhadores.
JULHO / 1978
Nasce o filho Sandro Luís.
DEZEMBRO / 1978
Apesar da ilegalidade das greves, são computadas mais de 400 paralisações no país ao longo do ano, muitas delas apenas no segundo semestre, meses depois dos dissídios e das manifestações de 1º de Maio, época tradicionalmente utilizada para as campanhas de negociação salarial.
JANEIRO / 1979
Tão logo o ano começa, o sindicato resolve preparar a categoria com antecedência para uma greve geral, capaz de sacudir o país. Assim, teriam mais tempo de conscientizar os trabalhadores, afinar discursos e lista de reivindicações, e melhor preparar as atividades de maio.
“Nessa relação empregado-patrão, a única arma que torna a classe trabalhadora verdadeiramente respeitada pelo patrão é a greve.”
MARÇO / 1979
É deflagrada a greve geral. A adesão supera as expectativas e obriga a diretoria do sindicato a transferir a assembleia para o estádio de futebol da Vila Euclides, único local em São Bernardo capaz de comportar os 80 mil trabalhadores que comparecem na tarde do dia 13. Sem sistema de som, megafone ou palanque, Lula é obrigado a improvisar. Sobe numa mesa de bar colocada no centro do gramado e discursa no gogó, de modo que os operários mais próximos o ouvem e repetem suas falas para quem está mais atrás, e assim sucessivamente, até que a mensagem alcance as fileiras mais distantes.
A greve é considerada ilegal pela Justiça do Trabalho. Dali a dois dias, já havia 170 mil metalúrgicos parados em todo o ABC.
Viaturas da polícia cercam a sede do sindicato. O Ministério do Trabalho decretara intervenção, afastando seus dirigentes eleitos. Dias depois, parte da categoria, cansada e descrente, volta a trabalhar, enfraquecendo a capacidade de reivindicação da diretoria.
Lula procura os empresários e propõe uma trégua de 45 dias, com a volta imediata ao trabalho mediante o fim da intervenção, a reabertura do estádio de Vila Euclides, que fora fechado para assembleias, o pagamento dos dias parados, nenhuma demissão e, por fim, reajuste de 11%, conforme tinha sido oferecido pelos patrões no ano anterior.
Em assembleia, Lula pede um voto de confiança e expõe as condições da trégua. “Ao final desse período, se as nossas reivindicações não forem atendidas, eu mesmo decretarei a volta da greve”, ele diz. Após 45 dias, os patrões firmam um bom acordo com o sindicato, mas não cumprem a promessa. Há demissões e retaliações em diversas fábricas. Parte dos trabalhadores, com ânimos acirrados, defende o tudo ou nada e Lula é chamado de traidor e vendido. Com sua legitimidade em risco, Lula propõe a destituição da diretoria e a convocação de nova eleição. No final do processo, sua diretoria é aclamada por unanimidade, fortalecendo-se para a campanha do ano seguinte.
MAIO / 1979
É promulgada a Lei da Anistia. Entre os exilados autorizados a voltar ao Brasil está o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, irmão do cartunista Henfil, cujas charges eram frequentemente favoráveis ao movimento sindical. Em 1991, Betinho encabeçaria uma campanha nacional de combate à fome, discutida com Lula na sede do Governo Paralelo, entidade fundada por ele após a eleição de Collor em 1989.
A Carreira Política
FEVEREIRO / 1980
É fundado o Partido dos Trabalhadores, no Colégio Sion, em São Paulo. Cerca de 700 pessoas presenciam a cerimônia. A maioria é formada por sindicalistas, estudantes, líderes de movimentos sociais, católicos progressistas e intelectuais de esquerda como Mário Pedrosa, Sérgio Buarque de Holanda e Lélia Abramo. Presentes, também, 400 delegados eleitos nos 17 Estados em que o partido obteve a legalização. A legenda é resultado de dois anos de articulações, desde as greves de 1978, quando surgiu pela primeira vez a proposta de criar um partido do povo, e não apenas para o povo: “de baixo para cima”, na definição de Lula. Embora não cite a palavra socialismo em seu Manifesto, o partido reúne militantes de diversas tendências da esquerda.
ABRIL / 1980
Início da greve: 140 mil metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema cruzam os braços. Querem reajuste real de 15% nos salários, enquanto as empresas oferecem 3,6%, além de instrumentos de garantia de emprego e redução da jornada de trabalho de 48 para 40 horas semanais.
O Tribunal Regional do Trabalho declara a paralisação ilegal. A repressão parte para cima dos grevistas, com rondas ostensivas e o uso de helicópteros do Exército a sobrevoar as assembleias no estádio da Vila Euclides. Lula, Marisa e os filhos são vigiados permanentemente. Há sempre uma veraneio C14 parada perto de casa.
Lula tem cassado seu mandato sindical. O ministro do Trabalho, Murilo Macedo, decreta, pela segunda vez, a intervenção no sindicato. Além de cassar a diretoria, proíbe o uso do estádio da Vila Euclides para assembleias. É decretada a prisão preventiva de Lula e outros 16 sindicalistas. Essas medidas deixam os operários enfurecidos, e Lula torna-se uma espécie de oráculo de toda a agenda trabalhista.
Lula é preso e enquadrado na Lei de Segurança Nacional. Às 6 horas da manhã, três viaturas estacionam diante de sua casa. Seis policiais armados, inclusive com metralhadoras, batem na porta e entram. Lula é levado para o Departamento de Ordem Política e Social, o DOPS, onde ficaria por 31 dias com companheiros de movimento sindical. No cárcere, faria greve de fome, interrompida no sétimo dia após apelo do bispo de Santo André, Dom Cláudio Hummes. A convite do bispo, as assembleias passam a acontecer na Igreja Matriz de São Bernardo.
MAIO / 1980
A greve termina no 41º dia, sem acordo, mas com um importante saldo político. Embora cerca de 1.500 trabalhadores grevistas tenham sido demitidos nos dias que se seguiram ao final da paralisação, o direito de greve tornou-se uma bandeira reivindicada nacionalmente, e que seria garantida anos depois, na Constituição de 1988.
Morre Dona Lindu, aos 64 anos, vítima de um câncer no útero, no Hospital Beneficência Portuguesa de São Caetano. No dia seguinte, Lula é autorizado por Romeu Tuma, então diretor do Dops, a deixar a prisão, escoltado, para ir ao enterro da mãe. A multidão presente ao enterro cerca a viatura policial e tenta impedir que Lula volte à prisão. Foi preciso que ele mesmo tomasse a palavra e convencesse quem protestava de que retornar à cela seria mais prudente, alegando que uma rebelião, naquele momento, daria motivo para uma repressão ainda mais intensa.
A prisão preventiva de Lula é revogada e ele pode voltar para São Bernardo, onde é recebido com festa. Sua primeira atitude ao chegar em casa é abrir uma gaiola e libertar um passarinho. Naquele mesmo ano, Lula fundaria o PT. Em fevereiro de 1981, seria condenado pela Justiça Militar a três anos e seis meses de prisão. Recorre em liberdade e, em maio de 1982, o processo é anulado pelo Superior Tribunal Militar.
“Eu acho que eu só cheguei aonde cheguei pela fidelidade aos propósitos que não são meus, são de centenas, milhares de pessoas.”
Lula é eleito primeiro presidente do PT.
JUNHO / 1981
Como líder e porta-voz do PT, Lula viaja o Brasil e o mundo. Vai a mais de 10 países entre 1980 e 1981. Nos Estados Unidos, tem audiência com o senador democrata Ted Kennedy, irmão do ex-presidente John Fitzerald Kennedy. Na Itália, encontra-se com o papa João Paulo II e com o líder sindical polonês Lech Walesa, que seria agraciado com o Nobel da Paz em 1983 e governaria o país entre 1990 e 1995.
FEVEREIRO / 1982
Dois anos depois, o Tribunal Superior Eleitoral reconhece oficialmente a fundação do PT e o autoriza a disputar as eleições gerais daquele ano, nas quais seriam escolhidos governadores, senadores, deputados federais e estaduais, bem como vereadores e prefeitos do interior. Os prefeitos das capitais ainda eram nomeados pelos governadores. Lula é candidato ao governo de São Paulo e incorpora o apelido ao sobrenome, passando a assinar Luiz Inácio Lula da Silva: uma estratégia para ser facilmente localizado na célula eleitoral pelos eleitores que só o conhecessem como Lula. Num debate realizado durante a campanha eleitoral, um de seus adversários, Rogê Ferreira, do PDT, pergunta: “Afinal, você é comunista, socialista ou o quê?”. “Sou torneiro mecânico”, Lula responde.
NOVEMBRO / 1982
1.144.648 pessoas, ou 10% do eleitorado, votam em Lula, quarto colocado na disputa. André Franco Montoro, do PMDB, vence a eleição. Em todo o país, o PT elege oito deputados federais, 12 estaduais, dois prefeitos e 78 vereadores.
AGOSTO / 1983
Lula é um dos articuladores da Central Única dos Trabalhadores, a CUT, fundada durante o 1º Congresso Nacional da Classe Trabalhadora. O evento reuniu cerca de 5 mil representantes de sindicatos em São Bernardo do Campo. Por ser presidente do PT, não integra a mesa diretora, que é encabeçada por Jair Meneguelli, seu sucessor na presidência do sindicato.
NOVEMBRO / 1983
Na praça Charles Miller, em frente ao Estádio do Pacaembu, em São Paulo, Lula comanda o primeiro grande comício por eleições diretas. O repórter Ernesto Varela, codinome de Marcelo Tas, acompanhou o evento:
“O prazer da política é você sentir que o povo participa, que o povo começa a se despertar no sentido de ele próprio começar a transformar as coisas no país.”
ABRIL / 1984
Lula articula um comitê supra-partidário em prol das eleições diretas. A campanha é encampada pelos partidos políticos de oposição à ditadura. Até 25 de abril, quando foi votada a Emenda Dante de Oliveira, diversos atos e comícios mobilizam milhões de brasileiros nas grandes cidades.
MARÇO / 1985
Nasce Luís Cláudio, o filho caçula de Lula.
NOVEMBRO / 1985
Fortaleza é a primeira capital a eleger um prefeito do PT. Aliás, uma prefeita: Maria Luiza Fontenele.
NOVEMBRO / 1986
Lula é eleito deputado federal constituinte, o mais votado do Brasil, com 651.763 votos. Nos dois anos seguintes, participa da elaboração da Constituição Federal de 1988 e ajuda a garantir a inclusão de emendas como o direito à greve, a licença maternidade de 120 dias e a jornada de trabalho de 44 horas semanais (eram 48).
DEZEMBRO / 1987
Durante o 5º Encontro Nacional do PT, realizado no prédio do Senado, em Brasília, Lula é aclamado candidato do partido à Presidência da República na eleição de 1989, a primeira após 29 anos sem eleição direta para presidente. Para se dedicar melhor à campanha eleitoral, transmite o cargo de presidente do partido ao também sindicalista Olívio Dutra, do Rio Grande do Sul. Luiz Gushiken assumiria a presidência em seguida.
“Vim dizer para vocês que aceito esse desafio, o mais importante da minha vida. (…) Não sei se terei competência, durante a batalha, de fazer jus à confiança que vocês tiveram em mim. Agora, uma coisa eu peço para o meu Partido: a gente não pode fazer uma campanha com dúvidas sobre qual segmento social a gente representa. Temos de fazer uma campanha classista, falando dos interesses da classe trabalhadora. E precisamos marcar posição. Precisamos acirrar as contradições. Se não for assim, a peãozada não vai entender a nossa campanha. Vamos à luta.”
OUTUBRO / 1988
Lula é o principal mobilizador da campanha do PT para as prefeituras brasileiras. O partido é vitorioso em três capitais: São Paulo (Luiza Erundina), Porto Alegre (Olívio Dutra) e Vitória (Vitor Buaiz). No total, conquista 36 cidades, entre elas pólos importantes como Campinas e São Bernardo do Campo.
MARÇO / 1989
Lula é candidato a presidente da República. Encabeça a coligação Frente Brasil Popular, apoiada pelo PT, pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), do vice José Paulo Bisol, e pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Sua campanha emplaca com grande sucesso o jingle “Lula lá”. Também conhecida como “Sem medo de ser feliz” ou “Brilha uma estrela”, a canção continuaria sendo utilizada nas campanhas seguintes. “Lula lá, brilha uma estrela / Lula lá, cresce a esperança / Lula lá, o Brasil criança / Na alegria de se abraçar…”
Lula começa a ser apontado como favorito. A campanha é polarizada com Leonel Brizola, do PDT, nos primeiros meses. Até a emergência da candidatura de Fernando Collor de Mello, o auto-intitulado “caçador de marajás”, no segundo semestre. Senador de Alagoas pelo nanico PRN, o Partido da Reconstrução Nacional, Collor é apoiado pelas oligarquias nacionais, pelos bancos, pelas grandes indústrias e pela mídia, em especial pela Rede Globo. Também na disputa, Mário Covas (PSDB), Paulo Maluf (PDS), Guilherme Afif Domingos (PL), Ulysses Guimarães (PMDB) e outros 15 candidatos.
“Há um tipo de candidato que é o político-Xuxa: antes da eleição, beijinho beijinho. Depois da eleição, tchau tchau.”
NOVEMBRO / 1989
Lula recebe 11.622.673 votos (16%) e vai para o segundo turno contra Collor (28,5%). Agora, sua candidatura é apoiada por uma ampla rede de partidos progressistas: PDT, PSDB, PV, PCB e parte do PMDB, além de PT, PSB e PCdoB.
DEZEMBRO / 1989
O empresário Abílio Diniz, dono da rede de supermercados Pão de Açúcar, é sequestrado em São Paulo. Na TV, são veiculadas imagens de um sequestrador com uma camiseta da campanha de Lula. Em depoimento à polícia, Humberto Paz, o sequestrador, diria ter sido torturado e obrigado por policiais a vestir a camiseta.
Veja mais no link: Sequestrador depõe e alega razão política
Em outro episódio utilizado pela oposição para derrotar o candidato do PT, o penúltimo programa eleitoral de Collor exibe uma entrevista com Miriam Cordeiro, ex-namorada de Lula, na qual ela afirma que o candidato, depois de engravidá-la em 1973, ofereceu dinheiro para que fizesse um aborto e não reconheceu a criança. “Não posso apoiar um homem que acabou com a minha vida”, declara.
A entrevista é exibida novamente no dia seguinte, no Jornal Nacional, na Globo. Miriam teria recebido 200 mil cruzados novos, o equivalente a 24 mil dólares na época, para gravar o depoimento. Abalado, Lula aparece ao lado da filha de 15 anos em seu último programa, no dia seguinte:
“Eu não vou responder à mãe da Lurian, porque a Lurian não é resultado de um gesto de ódio. A Lurian é resultado de um gesto de amor. (…) Para mim, na verdade, o que importa é o julgamento que a minha filha faz de mim. E eu tenho certeza absoluta de que ela saberá julgar melhor do que ninguém o pai que ela tem.”
É realizado o último debate entre Lula e Collor. Os “melhores momentos” exibidos no Jornal Nacional na edição do dia seguinte valorizam a participação do candidato do PRN. Após 22 anos, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, então diretor geral da Globo, admitiria, numa entrevista concedida a Geneton Moraes Neto em 2011, que a emissora não apenas manipulou a edição em favor do favorito de Roberto Marinho como ajudou a armar o debate, interferindo na maquiagem de Collor e plantando pastas vazias que estariam recheadas com supostas denúncias contra Lula. “Só não botei uma caspazinha no (ombro do) Collor porque ele não aceitou”, disse Boni.
Lula é derrotado no segundo turno, obtendo 31.076.364 votos contra 35 milhões atribuídos ao candidato eleito. Collor tem 53% dos votos válidos e Lula, 47%.
“Faltou muito pouco para que, pela primeira vez na nossa história, o povo assumisse o governo do Brasil. Nada será capaz de apagar da minha memória e dos meus olhos o grande espetáculo que o povo brasileiro promoveu durante todo o ano de 1989: uma luta pelo resgate da esperança e da dignidade do povo brasileiro.”
JULHO / 1990
O empresário Abílio Diniz, dono da rede de supermercados Pão de Açúcar, é sequestrado em São Paulo. Na TV, são veiculadas imagens de um sequestrador com uma camiseta da campanha de Lula. Em depoimento à polícia, Humberto Paz, o sequestrador, diria ter sido torturado e obrigado por policiais a vestir a camiseta.
JUNHO / 1992
Lula é o principal nome de oposição ao governo de Fernando Collor. Como presidente do PT, mobiliza a bancada e atua para instalar de uma CPI sobre denúncias de corrupção, formação de quadrilha (tendo como “testa-de-ferro” o tesoureiro Paulo César Faria), desvio de dinheiro e uso de verba pública para pagar gastos pessoais (a compra de um Fiat Elba e despesas da Casa da Dinda). Dois congressistas do PT apresentam o requerimento formal para a instalação da CPI: Eduardo Suplicy, no Senado, e José Dirceu, na Câmara. Com base nessas denúncias, surge o Movimento pela Ética na Política. Os “caras-pintadas” vão às ruas pedir o impeachment de Collor.
SETEMBRO / 1992
A Câmara aprova o impeachment do primeiro presidente eleito após a redemocratização. Pesquisas mostram que, se a eleição para presidente ocorresse naquele momento, Lula seria eleito.
MARÇO / 1993
Convidado por Itamar Franco, o PT decide não assumir cargos em seu governo. Lula ajuda a articular articulam um movimento nacional de combate à fome. A intenção é transformar os 32 milhões de brasileiros que viviam abaixo da linha de pobreza — uma em cada cinco pessoas — num tema político de primeira grandeza. O projeto de implementação de uma política nacional de segurança alimentar inspira a campanha Ação Nacional contra a Fome, a Miséria e pela Vida, conhecida também como “campanha do Betinho” por ter sido conduzida publicamente e na mídia pelo sociólogo Herbert de Souza.
O Governo Paralelo se transforma em Instituto Cidadania. Nos anos seguintes, até a eleição de Lula, essa entidade civil produziria importantes projetos de políticas públicas em áreas como habitação, segurança pública, segurança alimentar e energia.
ABRIL / 1993
É realizado um plebiscito para definir a forma (monarquia ou república) e o sistema (presidencialismo ou parlamentarismo) de governo no Brasil. Apesar de muitos filiados preferirem o parlamentarismo, o PT opta por apoiar o sistema presidencialista, que em tese atribui maior poder ao presidente, confiante na vitória de Lula no ano seguinte.
Em Garanhuns, Lula inicia a primeira Caravana da Cidadania, interessado em conhecer melhor o Brasil e, principalmente, as principais dificuldades dos brasileiros mais pobres e excluídos. Sua jornada resgata temas urgentes como conflitos de terra, entraves à produção agrícola, seca e miséria. Até julho do ano seguinte, Lula e sua equipe fariam sete caravanas, com sete trajetos distintos, percorrendo as cinco regiões do Brasil num total de 40 mil quilômetros rodados. A revista americana Newsweek publica uma extensa reportagem sobre a iniciativa. Intuitivamente, Lula se prepara para disputar novamente a presidência, no ano seguinte.
“As classes dominantes têm os olhos voltados para a Europa e a bunda voltada para o Brasil.”
SETEMBRO / 1993
Líder da oposição, Lula faz coro com as denúncias apresentadas contra os “anões do orçamento”, congressistas acusados de montar um esquema de propinas com base na aprovação fraudulenta de emendas parlamentares.
“Há no Congresso uma minoria que se preocupa e trabalha pelo país, mas há uma maioria de uns 300 picaretas que defendem apenas seus próprios interesses.”
Sua declaração, defendendo a abertura de uma CPI para apurar as denúncias contra os “anões do orçamento”, inspira Herbert Vianna, do grupo Paralamas do Sucesso, a compor “Luiz Inácio (300 picaretas)”. Lançada em 1994, a música é censurada. “Luiz Inácio falou, Luiz Inácio avisou / São 300 picaretas com anel de doutor”, diz o refrão.
Considerado imbatível na campanha eleitoral do ano seguinte, Lula mantém conversas frequentes com líderes do PSDB, costurando uma possível aliança na campanha eleitoral do ano seguinte. Após uma dessas conversas, fica praticamente acertado o nome de Tasso Jereissati para vice de Lula. A aliança PT-PSDB, no entanto, implodiria poucos meses depois, com a ascensão da pré-candidatura do então ministro Fernando Henrique Cardoso, lançado pelos tucanos paulistas.
JUNHO / 1994
Lula é candidato à Presidência da República pela segunda vez. Seu principal adversário é o sociólogo Fernando Henrique Cardoso. Como ministro da Fazenda do governo Itamar Franco, ele é lançado como “o pai do Plano Real”, exitoso no controle da inflação ao adotar o dólar como lastro para a criação, em março, de uma moeda transitória, a Unidade Real de Valor (URV), precursora do real, introduzido em 1º de julho. Candidato pelo PSDB, Fernando Henrique — que recebera o apoio do próprio Lula quando concorreu ao Senado, em 1978, e presenciara algumas reuniões de organização do PT, em 1979 — é apoiado agora por todos os setores que, naquele momento, temiam uma vitória de Lula.
Com um farto material captado em vídeo durante as Caravanas da Cidadania, desde o ano anterior, e famoso por organizar comícios lotados, com a participação de diversos artistas, Lula é surpreendido por uma lei aprovada no Congresso por iniciativa do PSDB e do PFL, seus adversários: naquele ano, ficaria proibida a exibição de cenas externas nos programas eleitorais.
Em razão da campanha, Lula deixa novamente a presidência do PT, sendo substituído por Rui Falcão. No 10º Encontro Nacional do partido, realizado no ano seguinte, em Guarapari, seria escolhido o nome de José Dirceu para a presidência. Desde então, Lula seria apresentado como “presidente de honra”. Denúncias contra José Paulo Bisol, que fora candidato a vice em 1989 e repetiria a dobradinha em 1994, obrigam a formação de uma nova chapa, já com a campanha em curso. O então deputado Aloizio Mercadante assume seu lugar.
OUTUBRO / 1994
Lula obtém 18% dos votos e é derrotado no primeiro turno por FHC, que se elege com 36%. A soma dos demais candidatos não chega a 18% do eleitorado. Pela primeira vez o PT elege governadores: Vitor Buaiz, no Espírito Santo e Cristovam Buarque, em Brasília.
OUTUBRO / 1996
Nas eleições municipais, o PT conquista 187 prefeituras ( crescendo em relação às 54 de 1992). Entre elas, duas capitais: Porto Alegre, com Raul Pont e Belém, com Edmilson Rodrigues.
MAIO / 1997
A Vale, então Vale do Rio Doce, é privatizada. Em leilão contestado na Justiça, o consórcio Brasil, liderado pela CSN, adquire o controle acionário da empresa por R$ 3,3 bilhões (ágio de 20% sobre o preço mínimo). Na oposição, Lula condena não apenas a privatização como também o preço pago por ela. Computando apenas no ano de 1999, a empresa teria um lucro de R$ 1,21 bilhões, equivalente a um terço de todo o dinheiro colocado na compra. A crítica à política privatizante conduzida por Fernando Henrique Cardoso torna-se um dos pilares do PT. Entre 1997 e 2002, seriam privatizadas 133 empresas estatais brasileiras, segundo dados do IBGE. A opção por privatizar empresas estatais vem na esteira do Consenso de Washington, espécie de receituário neoliberal adotado pelo FMI e recomendado aos países em desenvolvimento, que tinha a privatização como um de seus dez pilares. Lula também condena a criação do Proer, programa de ajuda a bancos e instituições financeiras que entraram em crise com a estabilidade da moeda (a maioria dependia da inflação para ganhar dinheiro). Entre 1995 e 2000, foram alocados cerca de R$ 30 bilhões em dinheiro público nas linhas de financiamento criadas pelo governo para salvar bancos em falência, como o Nacional, o Econômico e o Bamerindus, e evitar um pretenso colapso do sistema financeiro. Fusões e privatizações de bancos estaduais, muitos com graves problemas contábeis, foram estimuladas pelo programa.
JUNHO / 1997
É aprovada no Senado a emenda constitucional que institui a possibilidade de reeleição para presidente, governadores e prefeitos. O placar indica 62 votos a favor e 14 contra, repetindo a ampla maioria obtida na Câmara, em janeiro: 369 X 111. A decisão passa a valer já para a eleição do ano seguinte, favorecendo o então presidente Fernando Henrique Cardoso. Surgem denúncias e confissões de que deputados teriam vendido seus votos a favor do governo.
JULHO / 1998
O sistema Telebrás é privatizado, por meio de leilão.
OUTUBRO / 1998
Depois de passar todo ano de 1997 informando que não seria candidato, Lula cede aos apelos do partido e aceita disputar pela terceira vez a Presidência da República. Perde novamente para Fernando Henrique Cardoso, no primeiro turno. O placar é de 53% contra 32%. Ciro Gomes, do PPS, é o terceiro colocado, com 11% dos votos. O PT vence em três estados a eleição para governador: Olivio Dutra, no Rio Grande do Sul, Zeca do PT, em Mato Grosso do Sul e Jorge Viana, no Acre.
JANEIRO / 1999
Logo no início de seu segundo mandato, FHC introduz uma política diferente do prometido em relação à moeda brasileira.O Banco Central adota o sistema de câmbio flutuante, deixando de controlá-lo. Até 2000, a moeda viveria um período inédito de maxidesvalorização, confirmando a tese de que o câmbio artificialmente equiparado ao dólar vinha sendo mantido a todo custo, graças a juros altos e baixo investimento em produção, com o objetivo explícito de garantir a reeleição. Crises deflagradas na Ásia, na Rússia e na Argentina no final da década de 1990 comprometem a balança comercial brasileira e ajudam a derrubar o preço das commodities em razão da redução nas exportações. O governo perde popularidade e Lula é apontado como favorito para a eleição de 2002.
OUTUBRO / 2000
Nas eleições municipais o PT desponta, pela primeira vez desde sua fundação, como o partido mais votado em todo o Brasil. Vence em 187 cidades, incluindo São Paulo (Marta Suplicy), Recife (João Paulo), Porto Alegre (Tarso Genro), Goiânia (Paulo Wilson), Aracaju ( Marcelo Déda) e Belém (Edmilson Rodrigues). Pula de 1895 para 2485 vereadores e demonstra que já atingiu maturidade suficiente para a vitória na discuta presidencial.
JANEIRO / 2002
O prefeito de Santo André, Celso Daniel, é assassinado. Amigo pessoal de Lula, ele fora escolhido pelo então pré-candidato para coordenar seu plano de governo. Após a tragédia, é substituído na função por Antonio Palocci, prefeito de Ribeirão Preto pela segunda vez e ex-presidente estadual do PT.
MARÇO / 2002
É realizada uma prévia dentro do PT para a escolha do candidato. O senador Eduardo Suplicy, de São Paulo, também lançara seu nome, como alternativa. O sindicalista é praticamente aclamado, obtendo 80% dos votos. Lula impõe duas condições: só seria candidato se o PT firmasse um amplo leque de alianças, capaz de envolver em torno de seu nome representantes de vários setores da sociedade, inclusive aqueles tradicionalmente arredios ao partido. Queria um vice ligado ao meio empresarial.
O nome de José Alencar Gomes da Silva é oficializado como vice de Lula. Dessa vez, seu vice é um empresário mineiro, industrial do setor têxtil e ex-presidente da Federação das Indústrias de Minas Gerais. A dupla é festejada como uma conveniente união capital-trabalho. As duas biografias têm pontos comuns. Ambos tiveram infâncias pobres, começaram a trabalhar cedo, não cursaram ensino superior e tornaram-se lideranças sindicais, cada um à sua maneira: um representando os trabalhadores; o outro o patronato. Para concorrer, Alencar trocara o PMDB pelo Partido Liberal (PL), uma legenda conservadora com forte identificação evangélica.
JUNHO / 2002
Em encontro promovido para divulgar seu programa de governo, Lula lê a famosa Carta ao Povo Brasileiro. Escrita para acalmar os mercados e ampliar sua base eleitoral, ela revela uma face mais moderada de Lula, que se comprometia a cumprir contratos, inclusive sobre a dívida externa, e os acordos com o FMI. A carta também evidencia o compromisso do candidato em manter o controle da inflação. Ao mesmo tempo, critica o modelo econômico, ao qual atribui a culpa pela estagnação e pelas altas taxas de desemprego.
“O novo modelo não poderá ser produto de decisões unilaterais do governo, tal como ocorre hoje, nem será implementado por decreto, de modo voluntarista. Será fruto de uma ampla negociação nacional, que deve conduzir a uma autêntica aliança pelo país, a um novo contrato social, capaz de assegurar o crescimento com estabilidade. Premissa dessa transição será naturalmente o respeito aos contratos e obrigações do país.”
SETEMBRO / 2002
A campanha eleitoral deslancha. Seguindo as recomendações de seus publicitários, Lula adota um novo visual. Apara a barba toda semana, usa terno azul marinho e gravata vermelha em quase todos os compromissos, sorri mais, grita menos: a imprensa se refere a ele como “Lulinha paz e amor”.
OUTUBRO / 2002
Lula vence o primeiro turno com o dobro de votos de José Serra (PSDB), segundo colocado (46,4% dos votos contra 23,2%).
No segundo turno, Lula é eleito presidente da República, exatamente no dia de seu aniversário de 57 anos. Recebe 52.793.364 votos, ou 61,3% do eleitorado, contra 38,7% de José Serra. Cerca de 150 mil pessoas se concentram na Avenida Paulista para a festa da vitória. A multidão canta “Parabéns a você” ao aniversariante eleito. Em seu discurso, Lula presta homenagem à mãe, a fundadores do PT como Mário Pedrosa e Sérgio Buarque de Holanda, a petistas históricos como Chico Mendes e Carlito Maia e a companheiros como Henfil, Paulo Freire, Betinho, João Amazonas, Celso Daniel e Toninho do PT.
“Eu quero que vocês saibam que Zé Alencar e eu, e o governo que nós vamos montar, nós vamos trabalhar 24 horas por dia, de domingo a domingo, para que a gente possa cumprir cada coisa que nós prometemos nesta campanha. (…) Nós precisamos garantir que cada homem e cada mulher, por mais pobre que seja, tenha o direito de tomar café de manhã, almoçar e jantar todo santo dia. Nós temos que garantir às pessoas o direito de morar. Nós temos que garantir às pessoas o direito de conquistar a sua cidadania.”
DEZEMBRO / 2002
Lula é diplomado 36º presidente da República no Tribunal Superior Eleitoral. Faz um discurso emocionado e não consegue evitar as lágrimas.
“Se havia alguém no Brasil que duvidasse que um torneiro mecânico, saído de uma fábrica, chegasse à Presidência da República, 2002 provou exatamente o contrário. E eu, que durante tantas vezes fui acusado de não ter um diploma superior, ganho como meu primeiro diploma o diploma de presidente da República do meu país.”
Presidente
JANEIRO / 2003
Lula recebe a faixa presidencial das mãos de Fernando Henrique Cardoso. Durante a solenidade, o presidente que sai se atrapalha com a faixa e, ao retirá-la, derruba os próprios óculos. Imediatamente, o presidente que entra se agacha para pegar os óculos e os devolve sem cerimônia ao antecessor. Pela primeira vez, há um operário na Presidência da República. Lula é, também, o primeiro presidente civil eleito nascido em Pernambuco, o primeiro sem diploma universitário e o primeiro filiado a um partido de esquerda. Lula desfila pela esplanada dos ministérios a bordo do Rolls Royce oficial, primeiro ao lado de José Alencar e, em seguida, com a primeira-dama Marisa Letícia. Em determinado momento, o carro tem de ser empurrado. Em seu primeiro discurso, propõe um novo pacto social, promete fazer a reforma agrária, ratifica seu compromisso com a produção e a geração de emprego e afirma que o combate à fome é sua meta principal. Do início ao fim, enaltece o sentido de mudança que revestira sua vitória.
“Mudança: esta é a palavra-chave, esta foi a grande mensagem da sociedade brasileira nas eleições de outubro. A esperança, finalmente, venceu o medo e a sociedade brasileira decidiu que estava na hora de trilhar novos caminhos. (…) Foi para isso que o povo brasileiro me elegeu Presidente da República: para mudar. Este foi o sentido de cada voto dado a mim e ao meu bravo companheiro José Alencar. (…) Hoje é o dia do reencontro do Brasil consigo mesmo.”
Lula leva metade de seus ministros para uma viagem por regiões pobres do Nordeste e de Minas Gerais. No roteiro, locais como a favela Irmã Dulce, em Teresina, as palafitas do Recife e a cidade de Itinga, no Vale do Jequitinhonha. A intenção é garantir que sua equipe conhecesse a miséria e compreendesse a importância de priorizar políticas de distribuição de renda.
Lula escolhe seu retrato oficial. Na foto, aparece sorridente, com uma bandeira nacional ao fundo, e sem a faixa presidencial. Antes dele, apenas Itamar Franco posara sem a faixa verde-amarela. Em seu segundo mandato, Lula retomaria a tradição de posar com a faixa.
Lula é o primeiro presidente da República a discursar no Fórum Social Mundial, em sua terceira edição, em Porto Alegre.
“Governar é como uma maratona: você não pode começar a 80 por hora porque o seu fôlego pode acabar na primeira esquina. Você tem que dar uns passos sólidos, concretos, para que você possa terminar o governo com a certeza de um dever cumprido.”
“Mais de dez anos após a derrubada do Muro de Berlim, ainda persistem muros que separam os que comem dos famintos, os que têm trabalho dos desempregados, os que moram dignamente dos que vivem na rua ou em miseráveis favelas, os que têm acesso à educação e ao acervo cultural da humanidade dos que vivem mergulhados no analfabetismo e na mais absoluta alienação.”
Lançamento institucional do Programa Fome Zero.
“Hoje estamos dando um grande passo. E sei que, até atingirmos nossa meta, será uma longa caminhada. A fome não será vencida da noite para o dia, nem apenas com algumas medidas isoladas do Governo. A vitória contra a fome vai exigir muito esforço, muita persistência, muita coragem e dedicação de todos nós, durante os próximos quatro anos.”
MAIO / 2003
Lula indica Joaquim Barbosa para o Supremo Tribunal Federal (STF). Até o final dos oito anos de governo, Lula indicaria outros sete magistrados, o que faz dele o presidente que mais nomeou ministros do STF desde a ditadura: Eros Grau, Carlos Alberto Menezes Direito, Ayres Britto, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Cezar Peluso e Dias Toffoli. De infância pobre e ex-faxineiro, Barbosa fez doutorado na Universidade de Sorbonne (França) e foi procurador do Ministério Público Federal antes de se tornar o primeiro brasileiro negro a virar ministro do STF. Anos depois, já como presidente do colegiado, teria destaque no julgamento do chamado “mensalão” e desempenharia um papel de liderança na condenação de membros do governo Lula e dirigentes do PT.
JULHO / 2003
Lula recebe líderes do MST no Palácio do Planalto. Veste um boné do movimento, ratifica seu compromisso em fazer a reforma agrária e diz que as invasões atrapalham o processo.
OUTUBRO / 2003
Lula unifica programas sociais como o Fome Zero e outros e cria o Programa Bolsa Família, que beneficia 3,6 milhões de famílias num primeiro momento e viria a se tornar o carro-chefe do governo.
NOVEMBRO / 2003
Lançamento do programa Luz para Todos, que atinge mais de 3 milhões de residências rurais até 2014, universalizando esse direito entre a população mais pobre.
JANEIRO / 2004
O PMDB adere formalmente à base aliada, garantindo maioria parlamentar ao governo, que em seu primeiro ano teve de negociar apoio de pequenos partidos e disputar no varejo cada projeto de lei.
FEVEREIRO / 2004
A revista Época publica a primeira grave denúncia contra o governo Lula. Waldomiro Diniz, então Subchefe de Assuntos Parlamentares e assessor do ministro-chefe a da Casa Civil José Dirceu, é acusado de ter ligação com o empresário e bicheiro carioca Carlinhos Cachoeira. Em vídeo divulgado pelo próprio Cachoeira, ele aparece sendo extorquido por Diniz. Os recursos seriam empregados nas campanhas do PT no Rio de Janeiro e, em troca, Diniz ajudaria o empresário numa concorrência pública. Como a ajuda não veio, Cachoeira divulgou o vídeo.
Terminado o ano, o PIB brasileiro registra crescimento de 5,2%, resultado surpreendente se comparado ao 0,5% de crescimento do ano anterior. O máximo de crescimento obtido nos oito anos de governo Fernando Henrique Cardoso fora 4,4%, em 2000. Lula assume o governo de um país que, em 2003, era a 13ª economia mundial e, oito anos depois, entregaria o Brasil na 7ª posição.
JANEIRO / 2005
Lula lança o Programa Universidade para Todos (ProUni), criado no Ministério da Educação para facilitar o acesso de jovens de baixa renda ao Ensino Superior, por meio de bolsas de estudo em universidades privadas. Até o final do segundo mandato, 750 mil alunos seriam beneficiados.
Veja o site do Programa Universidade para Todos
JUNHO / 2005
Em entrevista à Folha de S. Paulo, o deputado federal Roberto Jefferson, presidente do PTB, acusa o governo de pagar mesadas a deputados em troca de votos favoráveis a projetos de lei de seu interesse. Uma nova palavra desponta no noticiário: “mensalão”. É o início da maior crise do governo Lula.
Acusado de ser o coordenador do “mensalão”, o ministro da Casa Civil, José Dirceu, deixa o cargo. Dali a quatro dias, o homem forte do governo Lula seria substituído pela mulher forte do mesmo governo, a então ministra de Minas e Energia Dilma Rousseff.
DEZEMBRO / 2005
Brasil quita dívida com o Fundo Monetário Internacional, o FMI.
FEVEREIRO / 2006
Pela primeira vez desde as denúncias do “mensalão”, Lula lidera as pesquisas de intenção de voto, superando os adversários nos dois turnos, em todos os cenários. Volta a ser o candidato favorito à reeleição.
MARÇO / 2006
Cai o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, suspeito de violar o sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa, que o acusara de frequentar uma mansão em Brasília com o objetivo de fechar negócios suspeitos com lobistas. É substituído por Guido Mantega, que frustra quem esperava mudanças importantes na economia ao afirmar que as diretrizes são definidas pelo próprio presidente: “Lula é o único fiador da política econômica”, diz.
O Brasil entra em órbita. Marcos Pontes é o primeiro astronauta brasileiro a viajar ao espaço e a pisar na Estação Espacial Internacional, numa missão de dez dias, tendo sido selecionado pela Agência Espacial Brasileira (AEB) e pela Nasa.
OUTUBRO / 2006
É realizado o primeiro turno. O candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, recebe 41, 6% dos votos e frustra as expectativas de vitória de Lula já no primeiro turno. Lula, ausente no último debate, é o preferido por 48,6% do eleitorado.
Lula é reeleito com mais de 58 milhões de votos, ou 60,8% do eleitorado. Em números absolutos, é a maior votação obtida por um chefe de Estado no Ocidente. O recorde anterior era de Ronald Reagan, eleito presidente dos Estados Unidos com 54,5 milhões de votos em 1984. Alckmin fica com 39,1% dos votos, menos do que recebera no primeiro turno.
O IPCA registra inflação anual de 3,14%, a menor desde 1998. Em 2002, último ano do governo anterior, fora registrado 12,5%. O resultado é comemorado no governo e contribui para a aprovação da política econômica.
JANEIRO / 2007
Lula toma posse num dia chuvoso. Em seu discurso, define as prioridades para os quatro anos seguintes: acelerar, crescer e incluir.
O governo lança o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), pacote de medidas estruturais, incluindo concessão de crédito, estímulo a investimentos diretos e realização de obras de infraestrutura, principalmente em setores sociais como habitação, saneamento e transporte. A intenção é transformar o programa na principal marca do segundo mandato, assim como o Bolsa Família fora a principal bandeira dos primeiros quatro anos.
MARÇO / 2007
O presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, visita o Brasil. Ao lado de Lula, anuncia um acordo de cooperação tecnológica para a produção de etanol.
JUNHO / 2007
Bovespa encerra o primeiro semestre com valorização de 22%, a maior alta desde 1999.
AGOSTO / 2007
O STF acata todas as denúncias apresentadas contra os suspeitos de envolvimento com o “mensalão”. Ao todo, são 40 réus.
OUTUBRO / 2007
Em cerimônia em Zurique, na Suíça, a Fifa confirma o Brasil como país-sede da Copa do Mundo de 2014. Não há surpresa, uma vez que se tratava de candidatura única.
NOVEMBRO / 2007
É anunciada a descoberta de grandes reservas de petróleo na camada pré-sal. Os depósitos se estendem desde o norte da Bacia de Campos até o sul da Bacia de Santos. Estima-se reserva equivalente a 2 bilhões de barris.
MARÇO / 2008
Lula inaugura obras do PAC no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, e apresenta Dilma Rousseff como “mãe do PAC”. A ministra-chefe da Casa Civil desponta como provável candidata do PT à sucessão presidencial.
MAIO / 2008
Alegando falta de apoio político e fazendo críticas à agenda desenvolvimentista do governo, Marina Silva, ministra do Meio Ambiente desde o início do primeiro mandato, pede demissão e é substituída por Carlos Minc. Em agosto do ano seguinte, ela deixaria oficialmente o PT para integrar a oposição. Seria candidata à Presidência em 2010, pelo Partido Verde (PV).
SETEMBRO / 2008
Lula suja as mãos de petróleo ao participar da primeira extração simbólica da camada do pré-sal, numa plataforma da Petrobras instalada no Campo de Jubarte, no Espírito Santo.
“Tive o prazer de meter a mão no óleo, e é uma sensação eu penso que única para um ser humano que tem o privilégio de presidir o País neste momento. (…) Se a gente imaginar o que está programado até 2017, ultrapassaremos os 2 trilhões de reais de investimentos na economia brasileira.”
NOVEMBRO / 2008
Barack Obama é eleito presidente dos Estados Unidos.
O Banco do Brasil anuncia a compra da Nossa Caixa e recupera o posto de maior banco do país. Semanas antes, em 3 de novembro, a fusão entre Itaú e Unibanco havia formado um gigante financeiro que tinha ultrapassado o banco público.
DEZEMBRO / 2008
Em pronunciamento à Nação, Lula comemora o fato de o país sair praticamente incólume da crise mundial e credita o fato a trunfos de seu governo como o aumento do salário mínimo, a redução do desemprego e ao volume de reservas em moeda estrangeira. “Nas crises anteriores, em poucos dias o Brasil quebrava e era obrigado a pedir socorro ao FMI”, diz. “Desta vez, o Brasil não quebrou, nem vai quebrar. Está enfrentando a situação de cabeça erguida. Enquanto a maioria dos países ricos está em recessão, o Brasil vai continuar crescendo.”
“Se você está com dívidas, procure antes equilibrar seu orçamento. Mas, se tem um dinheirinho no bolso ou recebeu o décimo terceiro, e está querendo comprar uma geladeira, um fogão, ou trocar de carro, não frustre seu sonho, com medo do futuro. Porque, se você não comprar, o comércio não vende. E, se a loja não vender, não fará novas encomendas à fábrica. E aí a fábrica produzirá menos e, a médio prazo, o seu emprego poderá estar em risco. Assim, quando você e sua família compram um bem, não estão só realizando um sonho. Estão também contribuindo para manter a roda da economia girando. E isso é bom para todos.”
MARÇO / 2009
Por 10 votos a 1, o STF mantém a demarcação contínua da reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, numa importante vitória dos índios e dos ambientalistas sobre os ruralistas. A decisão judicial consolida o principal marco do governo Lula em sua trajetória indigenista.
É lançado o programa Minha Casa, Minha Vida com recurso da Caixa Econômica Federal.O plano habitacional se propõe a construir e entregar 1 milhão de moradias na primeira fase, para famílias com renda mensal de até R$ 5 mil, por meio de parcerias com estados e municípios. No final do mandato, em dezembro de 2010, haviam sido contratadas 1 milhão casas pelo programa. Em 2014 seria ultrapassada a casa dos 3 milhões, entre residências entregues e contratadas.
ABRIL / 2009
Em reunião do G20, em Londres, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, aperta a mão de Lula, vira-se para o primeiro-ministro da Austrália, Kevin Rudd, e diz, apontando para o brasileiro: “Esse é o cara! Eu adoro esse cara.” Segundo Obama, Lula é “o político mais popular da Terra.”
Dilma Rousseff anuncia que está com câncer e submete-se a quimioterapia para vencer o linfoma. Mantém o cargo durante o tratamento, que se estenderia por cinco meses, até a confirmação da remissão.
JULHO / 2009
A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara (CCJ) aprova por unanimidade o parecer do deputado petista José Genoino pelo arquivamento do Projeto de Emenda Constitucional apresentado pelo deputado Jackson Barreto, do PMDB, que introduzia a possibilidade de segunda reeleição. Em outras palavras, é sepultada a ideia de um terceiro mandato para Lula, bem como para os demais ocupantes de cargos eletivos majoritários, como prefeitos e governadores. Lula e o PT já haviam se posicionado contra a mudança.
A expressão “nunca antes na história deste país”, recorrente nos discursos de Lula, é ironizada na mídias e nas redes sociais. O blogueiro Paulo Henrique Amorim apelida o petista de “Nunca Dantes”. Marcelo Tas lança o livro “Nunca antes na história deste país”, no qual reúne as frases mais engraçadas e polêmicas do presidente. Em 2010, o próprio Blog do Planalto, órgão de divulgação do governo federal, publicaria uma série de posts intitulada “Nunca Antes “, na qual sintetizaria as principais conquistas inéditas da administração. Em 15 de dezembro de 2010, voltaria ao tema durante cerimônia de registro em cartório do balanço de seu governo:
“Muita gente fica incomodada quando eu falo isso. Muita gente fala: ‘O Lula está descobrindo o Brasil’. Não estou descobrindo. Nós apenas estamos fazendo o que os outros não fizeram. E quando os outros não fizeram o que a gente fez, a gente diz ‘nunca antes na história do Brasil.”
Leia o discurso na íntegra aqui.
OUTUBRO / 2009
Com emoção e lágrimas de muitas pessoas que participaram da solenidade em Copenhagen, o Comitê Olímpico Internacional anuncia o Rio de Janeiro como sede dos Jogos Olímpicos de 2016.
Chega aos cinemas o filme “Lula: O filho do Brasil”, dirigido por Fábio Barreto e baseado no livro homônimo, de Denise Paraná. Produzido sem recorrer a nenhuma lei de renúncia fiscal, o filme custou cerca de R$ 17 milhões e estreou em 513 salas.
FEVEREIRO / 2010
Indicada por Lula, Dilma Rousseff é confirmada como candidata a presidente da República em congresso nacional do PT.
JULHO / 2010
Lula intensifica a presença brasileira na África e estabelece relações para futuras parcerias entre os dois continentes durante excursão oficial por países como Guiné Equatorial, Quênia, Tanzânia, Zâmbia e África do Sul. Em oito anos de governo, foram abertas 19 novas embaixadas em países africanos. E o comércio com países do continente triplicou.
AGOSTO / 2010
O presidente inaugura em Divinópolis (MG) o Campus Dona Lindu, extensão da Universidade Federal de São João Del Rey (MG). Batizado em homenagem à sua mãe, o local se soma ao rol de 126 campi e 14 universidades federais inauguradas no governo Lula até o fim do mandato.
OUTUBRO / 2010
Dilma Rousseff vence o primeiro turno com 47% dos votos e disputa o segundo com o tucano José Serra, que obteve 33%. A ex-petista e ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva (PV) fica em terceiro lugar, preferida por 19% do eleitorado.
Dilma é eleita presidente da República com 55.752.529 votos (56%).
DEZEMBRO / 2010
Lula registra em cartório um balanço dos oito anos de governo. O documento tem 310 páginas e é assinado por todos os ministros. Entre os trunfos listados na prestação de contas, destaque para os resultados das políticas sociais e de distribuição de renda. Segundo o texto, 27,9 milhões de brasileiros saíram da zona de pobreza em oito anos. Foram criadas 15 milhões de vagas com carteira assinada, reduzindo o desemprego para apenas 6,1% e permitindo que, pela primeira vez na história do Brasil, haja mais trabalhadores formais do que informais. Foram assentadas 602 mil famílias sem-terra, em 3,4 mil novos assentamentos que, juntos, cobrem uma área de 47,1 milhões de hectares, o equivalente a quase duas vezes o estado de São Paulo. Na agricultura, houve recordes sucessivos de exportação, alcançando 73,9 bilhões de dólares em exportações em 2010, ano em que o Brasil colheria sua maior safra de grãos: 148 milhões de toneladas. Ao mesmo tempo, os indicadores do Meio Ambiente não ficam atrás. O Brasil foi responsável por 74% das unidades de conservação criadas no mundo nesse mesmo período de oito anos. A Amazônia alcançou o menor nível de desmatamento em 23 anos de monitoramento.
“Esta prestação de contas é menos para engrandecer o que nós fizemos e mais para dar uma fotografia à sociedade brasileira para que ela, vendo o que foi feito, ela perceba também o que não foi feito e o que precisa ser feito.”
O Ibope divulga a última pesquisa de popularidade do ano e crava a aprovação recorde de 87% ao governo Lula.
No último dia de governo, Lula acata o parecer da Advocacia Geral da União e nega extradição do ativista de esquerda Cesare Battisti para a Itália. A decisão sobre seu futuro se arrastava desde a prisão de Battisti, em 2007, por uso de passaporte falso. Embora o governo italiano pressionasse pela extradição e o STF entendesse que a prisão do ativista não se deu por motivo político, Lula faz uma leitura diferente do episódio e opta por mantê-lo no país. Sua decisão é divulgada poucas horas antes de deixar a Presidência para evitar que Dilma tivesse de lidar com o tema.
Em sua derradeira solenidade no Palácio do Planalto, Lula agradece a equipe e faz um pronunciamento no qual se diz realizado por ter conseguido, acima de tudo, inaugurar um novo tipo de relação entre presidente e sociedade, mais aberta e transparente. Em oito anos, promoveu mais de 50 conferências nacionais com diferentes setores da sociedade civil e manteve as portas do Palácio do Planalto abertas para grupos que jamais haviam colocado os pés ali. Em 18 de abril de 2007, recebeu uma delegação de militantes do movimento de defesa dos direitos dos hanseniano, incluindo dezenas de portadores da doença. Em 24 de maio, Lula promulgaria ali mesmo uma medida provisória que conferiu pensão indenizatória vitalícia aos hansenianos que, em razão da doença, tenham sido internados compulsoriamente em hospitais-colônias do Estado.
JANEIRO / 2011
No dia 1º de janeiro de 2011, o primeiro operário a ocupar a sala principal do Palácio do Planalto passaria a faixa verde-amarela para a primeira presidenta do Brasil.
“Eu penso que o Brasil mudou. O Brasil mudou na relação com a sociedade. Nunca antes os humildes foram tratados com tanta deferência (…), nunca os estudantes e os professores foram tratados com o respeito que foram tratados. Isso demonstra o grau de maturidade que o Brasil alcançou.”
Vida após a Presidência
FEVEREIRO / 2011
Lula retoma sua atividade no Instituto Cidadania, em São Paulo, e comanda sua transição para Instituto Lula. Nessa nova fase, a prioridade é sistematizar o aprendizado adquirido com a experiência de governo e promover um intercâmbio mundial de ideias e iniciativas, com foco especialmente na África e na América Latina. É anunciada a ideia de construir em São Paulo um Memorial da Democracia, resgatando a longa luta do povo brasileiro até chegar à etapa atual de mudanças revolucionárias por caminhos pacíficos.
MARÇO / 2011
Lula faz sua primeira palestra como ex-presidente, para uma plateia formada por executivos da LG.
JUNHO / 2011
O prestígio internacional de Lula e do Brasil, garantem a eleição do brasileiro José Graziano da Silva, ministro do combate à fome em 2003, para o importante posto de diretor geral da FAO, façanha que se repetiria em 2013 com a eleição do embaixador Roberto Azevedo para diretor geral da OMC.
OUTUBRO / 2011
Recebe o diagnóstico de câncer na laringe. Nos meses seguintes, seria submetido a quimioterapia e radioterapia, num agressivo tratamento chefiado pelo cardiologista Roberto Kalil Filho. Pela primeira vez desde 1979, Lula aparece sem a barba.
MARÇO / 2012
Cinco meses após o diagnóstico de câncer, Lula faz exames no Hospital Sírio Libanês, que apontam remissão completa do tumor.
“Uma coisa que eu aprendi e que eu posso dar como sugestão é que o paciente (…) tem que ter disciplina. Ele tem que seguir as orientações. Não vai ter nada legal, não vai ter nada gostoso, tudo é difícil, mas ele tem que saber que o resultado disso é ele viver. E só pelo fato de ele saber que o resultado de ele ser disciplinado vai garantir a ele o direito de viver, vale a pena qualquer sofrimento.”
Liberado pelos médicos, Lula se engaja nas campanhas eleitorais do PT e visita 12 capitais. O partido conquista vitórias importantes, como a de Luciano Cartaxo, em João Pessoa, e a de Elmano de Freitas, em Fortaleza, além da festejada eleição de Fernando Haddad, em São Paulo: um político pouco conhecido que fora indicado por Lula, repetindo o fenômeno Dilma Rousseff.
DEZEMBRO / 2012
A conferência internacional “Fórum pelo Progresso Social: o crescimento para sair da crise” é realizada em Paris. Promovida pelo Instituto Lula em parceria com a francesa Fundação Jean Jaurès, do partido socialista, tem como objetivo reunir economistas e personalidade internacionais em torno de estratégias que permitam aos países superar os sacolejos da economia mundial e, ao mesmo tempo, preservar os empregos e garantir o desenvolvimento. A presidenta Dilma Rousseff e o presidente François Hollande comparecem à cerimônia de abertura. Uma segunda rodada é agendada para meados do ano seguinte, desta vez em São Paulo.
MARÇO / 2013
Lula publica no New York Times um artigo sobre a morte do presidente venezuelano Hugo Chávez. Começam as tratativas para que o ex-presidente passe a colaborar mensalmente com o jornal americano. Em 23 de abril, é anunciado o fechamento do contrato e, a partir de junho, Lula passa a assinar uma coluna mensal, distribuída pela agência de notícias do NYT, não necessariamente veiculado pela edição impressa. No texto de estreia, aborda as manifestações que ocuparam as ruas do Brasil após protestos em repúdio ao aumento das passagens de ônibus.
“As preocupações dos jovens não são meramente materiais. Eles querem maior acesso ao lazer e a atividades culturais. Mas, acima de tudo, eles exigem instituições políticas mais limpas e transparentes, sem as distorções do sistema político e eleitoral anacrônico do Brasil, que recentemente se mostrou incapaz de promover uma reforma. A legitimidade dessas demandas não pode ser negada.”
JUNHO / 2013
“Novas abordagens unificadas para erradicar a fome na África” é o título do encontro internacional realizado em Adis Adeba, na Etiópia, promovido pelo Instituto Lula em parceria com a Comissão da União Africana (AUC) e a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). A meta é erradicar a fome do continente, onde 245 milhões de pessoas não têm o que comer, até 2025.
NOVEMBRO / 2013
Lula é uma das 120 lideranças de dez diferentes países reunidos no seminário “Desenvolvimento e Integração na América Latina”, em Santiago, no Chile. O objetivo do evento é discutir o aprofundamento das relações físicas, econômicas, energéticas e sociais entre os países da região. O seminário é organizado pelo Instituto Lula em parceria com a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF). Ao longo do ano, Lula visitara uma dezena de países latino-americanos: Chile, Argentina, Cuba, Colômbia, Equador, México, Peru, República Dominicana, Uruguai e Venezuela. O Instituto Lula mantém um grupo de trabalho intitulado Iniciativa América Latina, em paralelo à Iniciativa África.
Fonte: Instituto Lula / lula.com.br