25 de setembro de 2018

Recentemente, Celso Amorim, ex-chanceler de Lula e ex-ministro da Defesa de Dilma Rousseff, encontrou-se em Paris com um antigo amigo da diplomacia: o ex-premier francês Dominique de Villepin, que também atuou como chanceler do presidente Jacques Chirac.

Representante da direita republicana, Villepin demonstrou preocupação com o isolamento do Brasil no cenário internacional e as ameaças à democracia, sobretudo após Lula ser impedido de disputar as eleições.

Dessa conversa, surgiu a ideia de organizar um seminário internacional em São Paulo. Confiado à organização da Fundação Perseu Abramo, o evento reuniu ainda, na sexta-feira 14, o filósofo americano Noam Chomsky, o ex-primeiro-ministro da Itália Massimo D’Alema e o ex-premier espanhol José Luis Zapatero, entre outras personalidades.

Em visita à redação de CartaCapital, Amorim falou sobre o encontro e demonstrou preocupação com os pronunciamentos políticos dos militares a respeito das eleições. A íntegra da entrevista, em vídeo, está disponível em www.cartacapital.com.br.

Como interpretar a declaração de Villas Bôas sobre a legitimidade do futuro governo?
Conheci Villas Bôas quando ele era Comandante Militar da Amazônia. Eu era Ministro da Defesa. Ele, um bom militar, bastante profissional, conhecedor, respeitoso. Se nós recordarmos bem, em alguns momentos do governo de Michel Temer, teve uma posição muito moderada. As coisas que ele tem dito me causam alguma surpresa, sobretudo após a declaração que ele fez na véspera do julgamento do habeas corpus de Lula.

Ele dizia que o Exército defendia valores, a Constituição, mas entrava também na questão da impunidade. Aquilo dito na véspera do julgamento tinha um endereço certo. Agora, as declarações após o ataque ao candidato Bolsonaro foram muito pouco felizes. Dizer que há uma instabilidade e que isso pode deslegitimar o resultado da eleição é algo muito grave.

Ele não é um analista. É comandante do Exército, o que ele diz tem peso. Quem comanda um grande número de indivíduos armados tem que tomar muito cuidado com as palavras. Não quero crer que ele teve a intenção de fazer uma ameaça.

O senhor acha que o discurso autoritário de Mourão, que sugeriu um “autogolpe” e uma nova Constituição sem Constituinte, se restringe mais aos generais da reserva?
Bolsonaro e Mourão são vozes minoritárias. No alto-comando, um pensamento mais extremado não representa a maioria. Não quero dizer que a reserva não tenha influência. Sei porque tive de lidar com esse problema na Comissão da Verdade.

O pessoal da reserva falava o diacho de mim. Preocupa-me o fato de 28% dos brasileiros estarem inclinados a votar no Bolsonaro. É um fato assustador, não por eles serem militares, mas porque parte expressiva da sociedade busca esse tipo de solução.

Em que medida essas declarações do comandante do Exército podem influenciar no resultado final da eleição?
Na realidade, não influenciam. O que me preocupa é a ameaça que fica no ar. As eleições devem se realizar normalmente e o resultado deve ser respeitado.

A palavra tranquilizadora não deveria caber a Villas Bôas?
Ele não precisava ter falado. Já que ele falou, poderia dizer agora: “Minhas palavras estão sendo mal interpretadas, não quero de maneira nenhuma acenar com a ideia de autoritarismo”. Até porque, quando você junta a declaração dele com a do Mourão, mesmo que elas não estejam conectadas, é natural todo mundo ficar preocupado. Não podemos esquecer que tivemos 21 anos de ditadura.

Mourão chegou a usar o termo “mulambada” para se referir à América Latina e à África, ao criticar a política externa dos governos petistas.
Não merece resposta. É inacreditável. A gente fala dos outros países, mas Trump parece um intelectual iluminista quando ouvimos o que diz o general Mourão.

O endosso do Lula ao Haddad e a transferência de votos em curso prova que de um lado está Lula e de outro lado estão os inimigos do ex-presidente?
Eu não colocaria as forças armadas como como inimigas de Lula, por exemplo. Eu acho importante voltar a esse assunto. Porque eu conheço gente, inclusive em posição de comando importante, que não tem essa visão. Gente que dará posse a quem ganhar. Que acha que esse é o caminho. Caminho que foi do general Henrique Lott. Aliás, nós precisamos até de um general Lott preventivo, que impediu um golpe e garantiu a posse de Juscelino Kubitschek.

Como o senhor avalia a decisão da Justiça Eleitoral de não levar em conta a liminar que foi concedida pelo Comitê de Direitos Humanos da ONU a Lula?
Fui embaixador da ONU por quatro anos no governo de Fernando Henrique Cardoso e duas vezes embaixador em Genebra, onde está a sede do comitê. Cuidava também de direitos humanos, então falo com certa autoridade. Quando ouço coisas do tipo “é um comitêzinho”, vejo uma ignorância incrível.

O comitê é o órgão para fazer cumprir aquele tratado, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos. É composto por peritos, no melhor sentido da palavra. Não se pode dizer “cada macaco no seu galho”. Primeiro, porque a ONU não é um galho, é a árvore. Até Trump, ao não querer seguir as diretrizes do clima, tomou o cuidado de se retirar do tratado. Não dá para dizer que o tratado não vale.

E quais as consequências de violar um pacto internacional?
Abala a credibilidade do País. Lidei muito com esse tema. Só conheço uma exceção de violação do pacto: o Taleban, para o qual Sharia, a lei islâmica, era mais importante do que a lei internacional. Os outros todos, mesmo quando eles não cumprem, alegam motivos. Claro, quando se tem um enorme arsenal atômico e se é a maior potência econômica do mundo, pode se dar ao luxo de perder a credibilidade, porque os outros dependem de você.

Não é o nosso caso. O Brasil sempre defendeu o multilateralismo. É um país grande, mas não é uma superpotência. Para nós, interessa que as regras multilaterais sejam seguidas, que os tratados sejam respeitados.

O voto favorável de Edson Fachin à decisão não abre um precedente para uma revisão do Judiciário sobre o caso, até porque a ONU deve julgar o mérito no primeiro semestre de 2019?
Mas aí o leite estará derrabado. Quer dizer, a decisão que vai haver, suponho, será a decisão do julgamento do conteúdo do mérito da ação criminal. Se existe alguma coisa que cria instabilidade seria essa. Torço para que ganhe o Haddad e não haja nenhuma nova instabilidade. Porque, se o Lula é absolvido na ação criminal, como deverá ser, o que se vai fazer? Anula-se a eleição? Aí sim, viveríamos uma grande complicação

Qual é o seu palpite sobre as eleições?
Fernando Haddad vai ganhar. Provavelmente ficará perto de um empate no primeiro turno, se não passar logo Bolsonaro. E, no segundo turno, ele ganha a eleição.

Não é importante que as forças progressistas saibam se unir na hora H?
Acho que antes da hora H. Tem de competir, claro que vão competir, dizendo quem tem o melhor plano para barrar o fascismo, quem tem o melhor plano para vencer o neoliberalismo e dar crescimento ao Brasil. Mas não pode um falar mal do outro. Isso cria feridas e, depois, mesmo que elas se recomponham, os eleitores as vezes não se recompõem.

Como o senhor avalia os resultados do seminário?
A mídia praticamente não noticiou, à exceção de uma notinha aqui ou ali. O mais interessante, a meu ver, foi como nasceu a ideia. O evento surgiu de uma conversa com o ex-premier Villepin, que também foi ministro do presidente Jacques Chirac, representante da direita republicana na França. Uma direita que respeita as leis.

E o que Villepin lhe disse?
Ao reencontrá-lo em Paris, ele próprio sentiu a necessidade de falar sobre o resgate da democracia no Brasil, com um governo legítimo, até porque o País desapareceu da cena internacional. O Brasil está completamente isolado, só parece preocupado em endurecer com a Venezuela. Daí surgiu a ideia do seminário.

O evento trouxe figuras muito importantes, como o D’Alema, um humanista, defensor da democracia, que foi a Curitiba visitar o Lula. Temos uma situação curiosa. O Brasil é o único país no qual uma prisão, na capital de uma província, é mais disputada que o palácio presidencial por grandes autoridades (risos).

 

Carta Capital