16 de abril de 2018

Assim que a ordem para prender Lula da Silva foi dada pelo juiz de primeira instância, em 5 de abril, milhares de pessoas se dirigiram à sede do sindicato dos metalúrgicos em São Bernardo do Campo, cidade industrial nos arredores de São Paulo, formando uma barreira protetora ao redor do ex-presidente brasileiro. Em outras cidades, atos de apoio foram rapidamente organizados, filmados ao vivo e transmitidos pela Internet.

Para quem se pergunta se Lula é realmente o líder corrupto que os tribunais condenaram, deve-se notar que, em um país como o Brasil, a justiça, infelizmente, não tem nada de justiça. Assim como não são iguais entre si no acesso à saúde, à educação e à moradia, os brasileiros não são iguais perante a lei. Igualdade é um conceito ausente no país. E as diferenças de raça, classe, sexo, são profundas demais ainda para garantir a imparcialidade das instituições. Se isso é verdade de maneira geral, é ainda mais quando se trata de Lula. Por ser o único sindicalista eleito e reeleito presidente em eleições livres, ele atrai todos os tipos de paixões, de grande admiração ao ódio visceral. Agora, mesmo um dos mais virulentos editorialistas de direita quando se trata do Partido dos Trabalhadores de Lula, Reinaldo Azevedo, reconhece que o ex-chefe de Estado é “vítima de um processo de exceção”.

Não foi apenas sua eleição que o subconsciente da elite branca e masculina nunca foi capaz de assimilar. Ela não suportou a eleição de uma mulher para a presidência do país, Dilma Rousseff, presa durante a ditadura, torturada pelos militares, mulher incorruptível que foi ultrajada, e cuja queda foi precipitada exatamente por sua intransigência em lidar com deputados e senadores desonestos. Foi com lágrimas nos olhos que, em 2014, ela apresentou o relatório da Comissão Nacional da Verdade, esforçando-se para explicitar alguns dos tantos não-ditos e das violações de direitos cometidos pelo regime militar (1964-1985). Dilma foi uma das grandes apoiadoras desta comissão. Como Lula, ela tornou-se alvo da grande mídia, especialmente do conglomerado Globo, que, ao ser instaurada a ditadura militar, 54 anos atrás, saudou o golpe como a restauração da ordem e democracia.

O resultado disso tudo é que o Brasil é um país dilacerado. No mês passado, Lula, Dilma e o PT saíram em uma caravana pelos três estados do sul, os menos favoráveis %u20B%u20Ba eles. Aqui e ali, líderes dos partidos aliados se juntaram a eles em atos públicos. Onde quer que parassem, uma multidão entusiasmada se reunia. No entanto, à beira da estrada, alguns manifestantes jogaram ovos e depois pedras contra a caravana, às vezes sob o olhar complacente da polícia. Alguns se organizaram em milícias protofascistas e agrediram verbal e fisicamente os apoiadores de Lula. Em seguida, tiros foram disparados contra o ônibus em que a imprensa viajava acompanhando a caravana. No mesmo dia do ataque, Geraldo Alckmin, governador do estado de São Paulo e candidato derrotado por Lula na eleição presidencial de 2006, reagiu: “Eles colhem o que plantaram”. No dia seguinte, pressionado por seus correligionários e como “bom democrata”, ele retificou: “Todas as formas de violência devem ser condenadas”. Tarde demais. Seu pensamento mais profundo já havia sido revelado.

 

Ódio político
Na Internet, por outro lado, o discurso de ódio não está sujeito a nenhuma correção ou sanção, como mostra a enorme quantidade de comentários violentos postados e nunca moderados. Esse discurso também se materializa em insultos contra artistas, como ocorreu com Chico Buarque. O notável cantor e compositor, também ex-exilado da ditadura e apoiador de Lula, disse durante um show em dezembro que moradores do Leblon, bairro rico do Rio onde mora, às vezes gritam quando ele passa: “Viado, vai pra Cuba! Vá passear em Paris!”. Nada disso o impediu de se sentar novamente ao lado de Lula, diante de uma multidão que lotou o Circo Voador, em sua última reunião de apoio no Rio, no dia 2 de abril.

Ainda que o ódio político – de classe, de raça, de sexo – não seja o único motor desta história, faz muitas vítimas. A mais conhecida é, sem dúvida, a vereadora Marielle Franco, de 38 anos, negra, da favela, esperança da política popular, executada no mês passado em sua cidade, o Rio de Janeiro, capital de um estado do Rio controlado, já na época do assassinato, pelo exército, por decisão do presidente Temer. Sua execução, cujos responsáveis podem nunca ser identificados, foi a primeira do gênero, e ganhou repercussão internacional.

Diante das explosões de ódio, Lula respondeu que seu partido não vai oferecer a outra face àqueles que os atacarem. O partido deu queixa contra os agressores já identificados. O ex-presidente também reiterou que o ódio só leva à destruição. Ele se colocou na posição de um possível conciliador, como nos anos 2000, e um pouco como Mandela antes dele, na África do Sul. Mas a hora do apaziguamento ainda não parece ter chegado. Hoje, no Brasil, é obrigatório escolher um lado.

Os onze juízes do Supremo Tribunal Federal entenderam bem isso. Na véspera do julgamento final do caso, o Chefe do Estado-Maior do Exército tuitou: “O Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais”. Os militares sentem-se à vontade para tomar posições públicas em questões políticas ou judiciais, e Temer considerou que a manifestação demonstra apenas “liberdade de expressão”.

Lula foi preso no sábado, o mesmo local onde, em 1980, agentes da ditadura militar o capturaram. O país está num impasse ainda mais grave. E se sabemos como ele poderia sair do impasse com dignidade – com o respeito das regras da já tão degradada democracia representativa – ninguém parece ter certeza se essa via ainda está aberta. Mesmo atrás das grades, a influência de Lula continuará a ser uma ameaça para essas elites corruptas e terá grande peso nas próximas eleições. Haveria outra solução trágica, que conhecemos muito bem: o assassinato de Lula e a instauração de uma ditadura militar que colocaria “todos em seu devido lugar”. Tal fim não é inevitável, mas não é mais algo impensável. Se a gangue criminosa que está no poder chegasse a tal extremo, o Brasil seria jogado de volta aos piores momentos de sua história. E toda a América Latina entraria num longo inverno dos povos.

 

Artigo publicado na Carta Maior, com a tradução de Clarisse Meireles.