19 de abril de 2018
Photo: Ricardo Stuckert

Há uma surpreendente falta de atenção da mídia —tanto nacional quanto internacional— às evidências com as quais o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi condenado em julho de 2017 e preso no último dia 7 de abril.

Isso é estranho, porque Sergio Moro, o juiz que investigou e processou o caso, demonstrou repetidamente sua animosidade contra Lula, de formas que abusam de sua autoridade judicial.

Por exemplo, ele vazou para a mídia telefonemas interceptados ilegalmente entre Lula e Dilma, sua família e seus advogados. Dados a intensa politização do caso e seu enorme impacto político —impedindo que o provável vencedor das próximas eleições presidenciais de outubro concorra à Presidência—, as pessoas não deveriam ser capazes de ver as bases para a condenação de Lula?

Segundo Moro, Lula é culpado de corrupção e lavagem de dinheiro em conexão com um apartamento, o qual foi supostamente “dado” a ele pela construtora OAS. (Ainda que corrupção e lavagem de dinheiro soem como atos separados, são, na realidade, apenas duas acusações para o mesmo suposto ato de aceitar esse apartamento como suborno).

Lula nunca recebeu o título do apartamento, nem o usou, e só o visitou para olhá-lo uma vez. O juiz Moro, portanto, teve que passar por muitas acrobacias legais e probatórias para argumentar que seria “dele”.

A maioria das evidências apresentadas por Moro mostra que a OAS tinha o interesse de dar esse apartamento a Lula, com reformas, em troca de um apartamento muito menor para o qual Lula e sua esposa já haviam feito pagamentos.

Mas o juiz Moro não apresenta provas materiais de que Lula tenha aceitado tal acordo. A “prova” em si vem do testemunho do ex-presidente da OAS José Adelmário Pinheiro Filho, que foi condenado por corrupção e lavagem de dinheiro nas investigações da Lava Jato.

Segundo relatos desta Folha, Pinheiro teve seu acordo de delação premiada suspenso quando seu testemunho inicial não implicou Lula; a negociação judicial só foi restaurada quando ele o fez. Sua sentença foi subsequentemente reduzida em dois terços, para ser cumprida em regime aberto.

Se isso não bastasse para levar o testemunho de Pinheiro menos a sério do que o de outras testemunhas conflitantes, há também o problema adicional de que, como réu no caso, Pinheiro é autorizado pela lei brasileira a depor no banco de testemunhas sem penalidade —ele não é juramentado.

Nos Estados Unidos, o ex-presidente Barack Obama começou a fazer discursos por US$ 400 mil por palestra para grandes instituições financeiras dos EUA, menos de um ano depois de deixar o cargo.

No Brasil, assim como nos EUA, tais presentes para um ex-presidente não são ilegais, então o juiz Moro também teve que provar que Lula concedeu algum favor à OAS enquanto presidente, pelo qual foi “recompensado” (com um apartamento que nunca recebeu ou usufruiu) depois de deixar a Presidência.

As coisas ficam ainda mais obscuras quando seguimos Moro por esse caminho. O breve resumo de seu argumento é que os fundos que supostamente pagariam pela diferença nos preços dos apartamentos, bem como as reformas, supostamente vieram de suborno na Petrobras.

As alegações para esta parte do argumento de Moro também vêm de delações premiadas. E ainda nenhuma prova foi oferecida que comprove um ato específico de corrupção por parte de Lula; só que, como presidente, ele nomeou funcionários que mais tarde se envolveram em suborno na Petrobras.

Pode um ex-presidente —ou, de fato, qualquer pessoa— ser sentenciado a 12 anos de prisão com tal escassez de evidências? No Brasil, aparentemente sim, da mesma forma como Dilma Rousseff foi cassada e afastada da Presidência sem nem sequer ser acusada de um crime.

Com controle suficiente sobre o Judiciário e a mídia, a elite tradicional do Brasil acredita que possa deixar de lado o Estado de Direito e decidir quem pode concorrer à Presidência ou permanecer no cargo depois de eleitos. Nos próximos meses, o mundo vai ver se eles realmente possuem esse poder irrestrito.

Mark Weisbrot é codiretor do Centro de Pesquisa Econômica e Política, em Washington.

Publicado originalmente na Folha de S. Paulo.